terça-feira, 3 de julho de 2012

O poder da montagem

Quem viu o jogo da meia-final entre a selecção da Alemanha e a da Itália no Euro 2012, certamente terá reparado numa imagem em que se vê uma adepta alemã (na fotografia) a chorar na sequência do segundo golo da Itália. Certo? Errado.
Soube-se agora que a mulher que surgia a chorar não o estava a fazer por causa da derrota, mas sim por resposta emocional ao momento em que o hino alemão soava no estádio. Pelo menos é o que garante a própria mulher que, regressada a casa após ter assistido ao jogo, se deparou com esta manipulação da sua imagem pela televisão polaca.
Basicamente, o que a realização televisiva da UEFA fez foi ter gravado a imagem da mulher com a lágrima durante o hino, para depois colocar a mesma imagem logo a seguir ao segundo golo de Mario Bolatelli que eliminaria a Alemanha. Chama-se a isto manipulação emocional através de um recurso básico de montagem. 
O princípio teórico da montagem, estabelecido desde o período do cinema mudo, foi já muito estudado, sobretudo desde o famoso "Efeito Kuleshov" de 1929, no qual o realizador Kuleshov demonstrou o poder da montagem através de uma sucessão de imagens que, segundo a sua ordem, atribuíam significados contraditórios ao espectador (ver mais aqui). O realizador Sergei Eisenstein foi um eminente estudioso das potencialidades da montagem ao serviço da expressão estética das imagens, tão patente em filmes essenciais como "O Couraçado Potemkine" (1925) ou "Outubro" (1927). OU seja, a montagem pode atribuir significados diferentes às mesmas imagens dependendo da ordem em que estas forem... montadas.
Não sei se o realizador do jogo de futebol citado conhece estes filmes e a teoria por detrás do "Efeito Kuleshov", mas a verdade é que nem precisa. Ao manipular a imagem da mulher a chorar, o que fez foi confirmar a teoria dos russos: a de que a montagem consubstancia, porventura, a essência da linguagem cinematográfica e dos seus significados. Seja no cinema ou na televisão. 

4 comentários:

Rato disse...

Pode ser que as coisas se tenham passado assim. Intencionalmente. Mas também pode ser que não. O que se passa, é que durante uma transmissão televisiva de um jogo de futebol, há duas ou três câmaras permanentemente focadas no público, para irem captando imagens como essa e muitas outras. Depois as imagens vão sendo intercaladas na transmissão, um pouco aleatoriamente. E até pode não ter havido qualquer intenção de associar a lágrima ao golo sofrido pela Alemanha.
Se o caso for levado a tribunal (parece ser essa a intenção da "vítima?") irá ser com certeza um caso de difícil resolução.

Anónimo disse...

Que parvoice completa! O caso vai ser de dificil resolução? A imagem de uma senhora ficou lesada por criminosos. Claro que ela tem razão. "Chama-se a isto manipulação emocional através de um recurso básico de montagem.". NÃO! Chama-se a isto crime. Pelo menos na minha terra. As transmissões de futebol não são cinema. São transmissões de um evento e é bom que quem deturpe imagens vá parar à prisão porque isto É um crime, quer sejamos demasiado cegos para o ver, quer não.

Rato disse...

Chamar a isto "crime" é, no mínimo, despropositado e não ter a noção das relatividades. Se todos os "criminosos" fossem parar à prisão por causa de eventos semelhantes, não haveria espaço suficiente em todo o mundo. Chega de fundamentalismos!

Anónimo disse...

fundamentalismos?

A imagem de uma pessoa foi deturpada e usada a bel-prazer dos responsáveis pela emissão televisiva do jogo. Eles fizeram uma coisa semelhante com o treinador alemão, que no início do jogo com a Grécia brincara com um apanha bolas (não lhe dando a bola) e a imagem foi usada durante o jogo, quando a Alemanha ganhava. Isto é passar uma mensagem falsa dos factos, alterar a verdade. Claro que os CRIMINOSOS não deveriam ir parar à prisão por um CRIME destes, estava só um pouco revoltado por toda a estupidez inerente a este post, que compara um CRIME a realizadores como Kuleshov e Eisenstein, ainda que as ideias que eles passaram tenham algo a ver com o que aconteceu, mas não era preciso a mãe do Kuleshov se ter encontrado com o pai do Kuleshov para os responsáveis pela emissão televisiva perceberem a melhor maneira de deturpar imagens...