quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Joyce no "Hugo"

O filme "Meia-Noite em Paris" de Woody Allen estava recheado de personagens artísticas do início do século XX: Ernest Hemingway. Cole Porter, F. Scott Fitzgerald, Salvador Dalí, Pablo Picasso, Gertrude Stein, Man Ray, Luis Buñuel, etc. Estas figuras desempenhavam um papel relevante na história do filme.
Ora, Martin Scorsese, outros cineasta culto e com sensibilidade artística apurada, também incluiu no ser recente (e oscarizado) filme "A Invenção de Hugo", algumas figuras essenciais da arte da primeira metade do século XX. Só que, ao contrário de lhes atribuir um papel importante no argumento (como fez Woody Allen), apenas as utilizou como meros figurantes. Talvez tenha sido apenas para dar um toque mais erudito ao ambiente parisiense e para contextualizar historicamente a história de Hugo.
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Eis as personagens artísticas que surgem em "A Invenção de Hugo":
O guitarrista de jazz Jean "Django" Reinhardt

O escritor James Joyce e o pintor Salvador Dalí

Genealogia de Fotogramas #18












"A Invenção de Hugo" (2011) - Martin Scorsese

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Todos os filmes de Tarkovski online


O site Open Culture é um fenomenal sítio onde se disponibiliza conteúdos culturais de forma totalmente gratuita e livre. Lá podemos ler livros, ouvir músicas, ver vídeos, aprender línguas ou saber mais sobre tecnologia, literatura ou filosofia.
No que toca ao cinema, no site já estavam disponíveis os filmes de Alfred Hitchcock, Orson Welles ou clássicos do género Cinema Negro. Agora estão também disponíveis os filmes integrais da filmografia de Andrei Tarkovski. Os filmes só podem ser vistos em streaming (ou seja, online) e não podem ser descarregados. Mas isso é o menos. O que interessa é que qualquer pessoa pode ver as obras-primas do cineasta russo na íntegra e de forma gratuita.
Mais uma prova de que a internet é, verdadeiramente, uma porta aberta de cultura global e livre.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Óscares 2012 - Impressões


Desde há uns 15 anos que sigo em directo a transmissão dos Óscares. Independentemente de ser um ano mais interessante ou não, é já um ritual assumido. À semelhança do que fiz nos últimos 4 anos neste blog, eis as minhas impressões muito genéricas:
- O anfitrião Billy Cristal repetiu-se e desiludiu. Apesar de ser a nona ocasião em que apresentou a cerimónia, acabou por não surpreender, pelo menos ao vivo (já as montagens com os filmes nomeados tinham alguma graça). Limitou-se a repetir o número musical "It's a Wonderful Night for the Oscars", fazendo lembrar quão brilhante tinha sido, há uns anos, Hugh Jackman a fazer um número musical.
- Não houve grandes surpresas na distribuição dos Óscares, com a salomónica decisão de repartir 50% de Óscares para "O Artista" e "Hugo". Os Óscares para "Hugo", apesar de serem mais técnicos, são perfeitamente justos, porque sem a mestria técnica que o filme de Scorsese exibe, não teria o brilho plástico e visual que realmente tem.
- É impressionante a forma fria como a plateia aplaude (ou não) Óscares de categorias menos populares, como curtas-metragens de animação, categorias técnicas ou, até, o melhor filme estrangeiro. Meteu dó as escassas palmas com que o realizador iraniano Asghar Farhadi foi recebido quando subiu ao palco para receber o Óscar pelo seu filme "Uma Separação". Sim, no caso específico do Irão, há questões políticas sensíveis pelo meio, mas a noite era de celebração do cinema, fosse que país fosse.
- Apesar de não ter grandes momentos mortos e desinteressantes como noutras cerimónias, a verdade é que a produção não se esmerou em termos de espectacularidade. Espectáculo só mesmo o Cirque du Soleil.
- Os momentos solenes de homenagem aos artistas do cinema já falecidos ("In Memoriam") pecou pelo sentimentalismo exacerbado, e quase não houve tempo para perceber quais as personalidades homenageadas.
- Dualidade de critérios no limite de tempo aos premiados para discursarem: 45 segundos exactos para um director de som desconhecido (a música começou mesmo a tocar por cima do seu discurso) e largos minutos para individualidades mais famosas.
- Ridículo o facto de só ter havido duas canções nomeadas para a categoria de Melhor Canção. Será possível que a inspiração musical de 2011 tenha sido assim tão, mas tão escassa?
- Muito bem atribuído o Óscar de Melhor Música Original para o compositor Ludovic Bource por "O Artista". Fazer música para um filme mudo hoje em dia era uma tarefa muito exigente, e conseguiu um resultado estético muito interessante, conjugando a tradição musical dos anos 1920 com um toque de modernidade.
- Gostei do Óscar de Melhor Argumento Original atribuído a Woody Allen pelo filme "Meia-Noite em Paris". Claro que o cineasta não estava presente no Kodak Theatre - provavelmente estaria a tocar clarinete com os amigos nalgum bar refundido de Manhattan.
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E pronto, para o ano há mais!

Erland Josephson como Domenico


No dia de entrega dos Óscares, uma triste notícia ensombrou o dia de celebração do cinema: a morte do actor Erland Josephson.
Josephson participou em diversos filmes de Ingmar Bergman mas na minha memória cinéfila ficará para sempre as suas duas interpretações em duas obras de Andrei Tarkovski: "Nostalgia" (1983) e "O Sacrifício" (1986). Em ambos os filmes, Erland incute uma interpretação de grande entrega e intensidade emocional. Na sua primeira colaboração com Tarkovski no filme "Nostalgia", o actor sueco interpreta Domenico, um homem tido como alienado, louco, à margem da sociedade, mas que tem um entendimento do mundo e do homem próprio de um filósofo erudito.
Esta é porventura a sequência mais emblemática do filme, na qual Erland, na pele de Domenico, prepara o seu suicídio numa praça de Roma enquanto discursa palavras de ordem sobre a alienação do homem moderno. A plateia de transeuntes está estática, amorfa e sem reacção perante tão inusitada encenação trágica, como que à espera do desfecho final. É um discurso fabuloso sobre a condição humana no mundo, um momento de pura redenção e de fé numa réstia esperança na salvação do homem.
E Erland Josephson é grandioso na forma como encarna o personagem e toda a encenação (legendas em espanhol):

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Uggie e os outros


A Revista do semanário Expresso dedica a capa a um cão. Mas não é um cão qualquer: é Uggie, o cão-actor da raça Jack Russell Terrier que entrou no filme "O Artista", nomeado aos Óscares.
Depois de uma pesquisa rápida, dei-me conta que os cães Jack Russell Terrier estão muito bem representados na Sétima Arte e na televisão: Jim Carrey tinha um cão desta raça no filme "A Máscara" (1994). Na famosa série de televisão "Frasier" existia Eddie, um simpático mas irresponsável cão desta raça. Na comédia familiar "Querida, Encolhi os Miúdos" (1989), e sequelas, é-nos dado a conhecer Quark, o encantador cão da família Szalinski.
Gene Hackman tinha um cão desta ração chamado "Bear" no filme "Crimson Tide" (1995). E mais recentemente (2010), um Jack Russell fazia parte do elenco do filme "Assim é o Amor".

sábado, 25 de fevereiro de 2012

John Williams vs. Alberto Iglesias


"A música actual para cinema abusa de lugares-comuns. Existe uma espécie de estilo internacional que serve para tudo. O estilo de John Williams está bem para naves espaciais e para dinossauros, que é o que faz, mas é mau quando utiliza este estilo para tudo com o intuito de chegar às nomeações a qualquer preço."
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Esta declaração foi proferida pelo compositor para cinema Alberto Iglesias numa entrevista ao jornal espanhol El Mundo. Iglesias ficou conhecido pelas bandas sonoras dos filmes de Pedro Almodóvar e nos últimos anos tem recebido o reconhecimento por aprte da Academia de Hollywood: obteve três nomeações ao Óscar de Melhor Banda Sonora Original. Este ano está nomeado pela música que compôs para o filme "Tinker Tailor Soldier Spy" de Thomas Alfredson.
Mas dificilmente conseguirá ganhar, porque no lote de nomeados está o veterano John Williams (tem 80 anos) que conta no currículo com um impressionante 'score': 5 Óscares e 47 nomeações em cinco décadas de carreira (e com muitos anos de colaboração com Steve Spielberg). Este ano está duplamente nomeado: pela composição para "As Aventuras de Tintin" e para "War Horse".
Mas a verdade é que, sem menosprezar o papel central que John Williams detém na história do cinema, eu concordo com a afirmação de Albert Iglesias. Ou seja: actualmente, o estilo de composição orquestral e épico de John Williams está datado e o compositor americano adapta-o a todo o tipo de género cinematográfico: dramas, aventuras, ficção científica, acção ou até comédias. A sua estética remeteu-se para um conservadorismo sem tréguas e para um caminho do qual não se vislumbra qualquer elemento de originalidade. E é claro que o seu estilo se adapta, como uma luva, ao gosto musical - também ele conservador - da Academia de Hollywood (longe vai o tempo em que Williams surpreendia com imensa criatividade como no filme "Tubarão").
O espanhol Alberto Iglesias é, sem dúvida, um talentoso compositor. E há outros talentosos e jovens compositores para cinema com ideias refrescantes e originais. Pena é que a Academia só premeie a previsibilidade e - pegando nas palavras de Iglesias - os "lugares-comuns".

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Woody vai ou não vai?


Parece que a grande dúvida desta cerimónia dos Óscares é saber se Woody Allen vai ou não estar presente na mesma, uma vez que está nomeado pelo filme "Meia-Noite em Paris". Para além deste assunto ser um fait-divers, a verdade é que não é assunto assim tão importante e difícil de compreender.
É claro que o realizador não vai colocar os pés nos Óscares, porque já disse várias vezes que não se interessa por prémios (quando ganhou os Óscares por "Annie Hall" estava a tocar clarinete num clube nova-iorquino), nem pelo sentido de espectáculo à volta da competição entre realizadores. E mantém esta atitude firme e coerente apesar das 20 nomeações e dos 3 Óscares recebidos.
Woody Allen não se sente bem no meio do estrelato e das celebridades de Hollywood, até porque, no fundo, fazendo parte do star-system, acaba por ser uma espécie de outsider. Esta rejeição pelo universo dos Óscares e pelo que representam, não é por snobismo ou por querer ter uma pose à margem; é porque Woody não valoriza a questão dos prémios nem o lado da fama efémera dos mesmos (que tão bem já retratou e criticou em vários dos seus filmes).

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Chion e o cinema


Há uns anos li uma entrevista que não mais esqueci a Michel Chion.
Chion é escritor, argumentista, ensaísta, jornalista (colaborador de muitos anos da "Cahiers du Cinéma", compositor de música experimental e concreta - tem vários livros sobre música electrónica e concreta) e é um especialista no cinema russo.
Michel Chion é, igualmente, uma autoridade mundial na investigação da relação entre a música, o som e o cinema, com vários estudos publicados. Tem livros sobre David Lynch, Pierre Henry, Pierre Schaeffer, Jacques Tati, Andrei Tarkovksi, Stanley Kubrick e Terence Malick. Um dos seus textos mais citados é sobre a voz no cinema e suas múltiplas formas de expressão. Um dos seus livros mais conhecidos é "Audio - Vision", já com edição portuguesa
Na dita entrevista que li (à conhecida revista Wire), Michel Chion explica todo o seu rico percurso profissional, as ligações aos músicos que fizeram história, as relações com a tecnologia musical, as metodologias de trabalho e de investigação nas mais diversas áreas, entre outros assuntos interessantes. A propósito da sua forte relação com o cinema, refere que os seus cineastas de eleição são Tati, Tarkovski, Fellini, Malick e Kubrick. Não aprecia particularmente realizadores do "paradoxo audiovisual snobista e da retórica", como Godard. Chion contrapõe dizendo que prefere o cinema puro e realista de Tarkovski, com um sentimento infantil muito mais forte e poético.
Foi a primeira vez que li uma opinião tão negativa referente a uma figura aparentemente consagrada como Godard e vindo de alguém tão especializado em cinema. E não deixa de ser curioso o facto do escritor e ensaísta francês coincicidr com os meus três cineastas preferidos de sempre: Tati, Kubrick e Tarkovski.
Se um dia conhecer Michel Chion, teremos muito para conversar.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Aviso à navegação


Estreia de hoje a um mês "O Cavalo de Turim" de Béla Tarr nas salas portuguesas.
Fixem: 22 de Março.
O resto é acessório.

O pensamento de Kubrick


Stanley Kubrick foi um realizador que cultivou um estilo de vida quase eremita: durante toda a carreira pugnou por um acentuado ascetismo social e profissional. Praticamente não dava entrevistas a jornalistas, furtava-se às festas das estreias dos seus filmes, não mantinha relacionamento com outros realizadores ou actores, nunca escreveu um livro de memórias ou para explicar o seu cinema (como fizeram Bresson, Bergman ou Tarkovski).
Porém, conhecemos minimamente algumas das suas opiniões através de afirmações que se podem encontrar dispersas na internet ou em livros de cinema. São pequenas frases ditas pelo génio de "A Laranja Mecânica" que revelam a ponta do véu do seu espírito irrequieto:
- "A filmmaker has almost the same freedom as a novelist has when he buys himself some paper"
- "I never learned anything at all in school and didn't read a book for pleasure until I was 19 years old."
- "The great nations have always acted like gangsters, and the small nations like prostitutes."
- "A film is - or should be - more like music than like fiction. It should be a progression of moods and feelings. The theme, what's behind the emotion, the meaning, all that comes later."
- "There are few things more fundamentally encouraging and stimulating than seeing someone else die."
- "Perhaps it sounds ridiculous, but the best thing that young filmmakers should do is to get hold of a camera and some film and make a movie of any kind at all."
- "If it can be written, or thought, it can be filmed. "
- "The screen is a magic medium. It has such power that it can retain interest as it conveys emotions and moods that no other art form can hope to tackle. "

O regresso de Tim Burton à animação


Eis o poster de "Frankenweenie", um filme animado em stop-motion da Disney, filmado em preto e branco e adaptado a 3D, com a assinatura de Tim Burton. Esta longa-metragem é baseada numa curta realizada em 1984 por Burton que, segundo dizem as más línguas, decretou a saída do realizador da Disney. O filme estreia só em Outubro próximo, mas a expectativa e ansiedade estão já instalados nos admiradores de Tim Burton (sobretudo dos fãs, como eu, do genial filme de stop-motion "Nightmare Before Christmas").
A notícia aqui.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Ser ou não ser Hitler


A edição online do Jornal de Notícias dá conta de uma notícia surpreendente sobre o ditador alemão Adolf Hitler: uma investigação de uma revista francesa descobriu que Hitler terá tido um filho de uma jovem francesa. Já por si, a ser verdade, esta é uma notícia deveras bombástica. Mas eu queria chamar a atenção para outro pormenor inerente ao próprio corpo da notícia tal e como é veiculada: a imagem que surge a acompanhar a referida notícia não é de Adolf Hitler, mas sim do actor Bruno Ganz a interpretar... Adolf Hitler no filme "A Queda" (2004). Porque é que o jornalista ou editor do jornal não colocou uma fotografia do verdadeiro ditador? Só há duas hipóteses:

1) Por ignorância: o jornalista achou que esta imagem representa mesmo o Hitler real.
2) Por negligência: o jornalista até sabe que este é um actor no papel de Hitler mas julgou que não tinha importânica nenhuma utililizá-la à mesma.
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Seja qual for a razão, na era da informação e do conhecimento à distância de um clique, não há desculpas para cometer uma imprudência deste tipo. Pegando num filme actual, seria o mesmo que divulgar uma notícia sobre a ex-primeira ministra britânica Margaret Thatcher e surgir a acompanhar uma fotografia da sua representação fictícia no cinema: Meryl Streep.

Scorsese e a fama a todo custo


No programa de rádio "Cinemax", o crítico de cinema João Lopes falou da estreia do filme "A Invenção de Hugo" de Martin Scorsese, enquadrando-o num contexto muito particular da filmografia deste cineasta. Tanto mais que "A Invenção de Hugo" é uma comédia familiar e filmado no sistema 3D. João Lopes mencionou outro filme de Scorsese que, à altura, desafiou todas as previsões que pudesse ser do mesmo realizador: "O Rei da Comédia" (1983).
Este filme atípico na filmografia de Scorsese é um olhar cáustico e cínico para com o mundo das celebridades e da fama. "O Rei da Comédia" é uma comédia dramática que lança duras críticas ao universo do espectáculo, à suas formas de representação e critérios de qualidade.
A história resume-se nisto: Jerry Langford (Jerry Lewis) é um consagrado apresentador de TV que, um dia, ao dirigir-se para o trabalho, é sequestrado pelo aspirante a comediante Rupert Pumpkin (Robert De Niro). Para escapar da situação, Jerry concede a Rupert espaço no seu programa de televisão, de forma a que ele possa apresentar o seu número cómico. A obcessão de Rupert pelo estrelato televisivo leva-o a atitudes imprevisíveis e descontroladas, numa relação com Jerry que se torna difusa e perigosa.
Com um Robert De Niro num dos seus primeiros papéis cómicos e um Jerry Lewis no seu primeiro (e único) papel dramático, "O Rei da Comédia" revela-se um filme demolidor para com o espectáculo da televisão e o anseio da fama a todo o custo.
Em boa verdade, no mundo televisivo de hoje no qual proliferam programas de caça-talentos efémeros e sem conteúdo, este filme de Martin Scorsese constitui uma boa lição para os jovens aspirantes a "famosos" a qualquer custo.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Playtime #69


A solução: "Do The Right Thing" (1989) - Spike Lee
Quem descobriu: David

As ilustrações de Hugo Cabret

Numa visita à livraria Bertrand folheei o livro "A Invenção de Hugo Cabret", que foi adaptado ao cinema por Martin Scorsese. E gostei bastante daquilo que vi e li. O livro chama a atenção pela sua forma e no modo de contar a historia, na medida em que proporciona uma visão cinematográfica ao leitor, deixando de lado a parte descritiva e priveligiando a parte visual (geralmente pouca explorada pelos livros convencionais).
Metade do livro é, pois, preenchido por preciosas e belíssimas ilustrações a preto e branco (como estas duas) que contam essa história infanto-juvenil da obra escrita por Brian Selznick. Ainda não vi o filme (estou desejoso), mas a avaliar pela qualidade geral que o livro revela e pela temática do mesmo (uma homenagem às fantasias cinematográficas de George Méliès e dos primórdios do cinema), não vejo a hora de ver esta nova e - certamente - surpreendente obra de Scorsese.


domingo, 19 de fevereiro de 2012

Dreyer e Manuel António Pina

O escritor, poeta e cronista Manuel António Pina deu uma entrevista ao jornal i, na qual revela todo o seu desencanto com a política e o estado actual do país.
Numa determinada passagem, respondendo acerca do seu desencanto e falta de esperança na política nacional, Manuel António Pina evoca o filme "A Palavra" (1955) de Carl Dreyer para justificar o seu ponto de vista. A forma inteligente como descreve a essência do filme é deveras esclarecedora:

Jornalista - "Está um bocadinho desencantado?"

Manuel António Pina - "Estou muito. Eu não tenho nenhuma fé. Mas escrevi recentemente uma crónica chamada “O que fica depois do que se perde”, sobre o filme “A Palavra”, do Dreyer. É uma história sobre a fé. Conta a vida de um luterano que tem três filhos, o mais velho é ateu, o segundo tem uma loucura mística, convence-se que é a reencarnação de Cristo, e o terceiro, o pai tenta casá-lo com uma rapariga de outra seita protestante. Todos consideram louco aquele que se julga Cristo, eu até escrevi na crónica loucura entre aspas, para acrescentar uma nota em que dizia que sou céptico, mas sou céptico em relação ao próprio cepticismo, mas depois acabei por tirar as aspas porque já não tinha espaço para as explicar. A certa altura do filme, a mulher do filho mais velho, ateu, morre, e as duas crianças pedem ao tio que ressuscite a mãe, porque têm aquela fé pura e sem limites acreditam nisso – é das cenas mais comoventes da história do cinema – e ele ressuscita-a. As únicas pessoas que não ficam surpreendidas são as duas crianças. É curioso que eu que não tenha fé nenhuma, mas quando vejo coisas daquelas sinto uma espécie de melancolia. É a sensação que têm os amputados que sentem a perna que já não têm."
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A entrevista completa aqui.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

O cinema português em Berlim


A consagração de dois jovens cineastas portugueses no Festival de Cinema de Berlim é extroardinária. Os prémios e elogios críticos aos filmes "Rafa" de João Salaviza, e "Tabu" de Miguel Gomes, são a prova de que o cinema português é altamente considerado lá fora, apesar de todas as dificuldades de se expressar cá dentro (e não só pelos aspectos financeiros derivados da falta de apoio estatal). O caso de Salaviza é ainda mais singular, depois de ter sido premiado há três anos em Cannes pela curta-metragem "Arena"(aguarda-se pela estreia de Salaviza na longa-metragem).
O cinema nacional tem grande valor e notável capacidade de reinvenção artística, não apenas com estes dois realizadores, mas também com outros que (ainda) não foram suficientemente promovidos e divulgados. Há um número considerável de boas promessas que só precisam de mais apoio e consideração para revelarem todo o seu talento.
Para já, parabéns a João Salavisa e ao Miguel Gomes (que eu gostava muito de ler quando escrevia crítica de cinema no jornal Público).

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Filosofia e futebol

O universo humorístico dos Monty Python é um poço sem fundo de geniais momentos "non-sense" (como o diálogo do filme "O Sentido da Vida" que reproduzi mais abaixo comprova). Um dos sketch de que mais gosto - dos muitos e bons do grupo britânico - é o referente ao futebol dos filósofos. A criatividade ímpar e a noção do poder subversivo do humor inteligente, fazem deste sketch uma verdadeira delícia de entretenimento e... cultura. Não é preciso ser-se grande conhecedor da filosofia alemã e grega para compreender e fruir a ousadia humorística desta analogia entre o futebol e a filosofia. Nunca um jogo de futebol foi tão... intelectual.
Os Monty Python sempre foram incríveis e sagazes desconstrutores das convenções sociais, morais e culturais, facto bem vincado neste sketch.
Claro que há quem não adira ao humor do absurdo do grupo de John Cleese e companhia. Contra esta opção, nada a fazer, a não ser respeitá-la.
Eu cá vou rever este jogo de futebol filosófico, e deliciar-me com as jogadas de Sócrates, Platão, Kant ou Arquimedes (que resolve o jogo!). Ah, pena o ponta-de-lança Karl Marx não ter passado para além do aquecimento...

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Os rostos de Hitch

Quando falamos de realizadores que sabiam filmar a expressão dos rostos e dos olhos, facilmente nos lembramos de Carl Dreyer, de Eisenstein ou de Bergman.
Realizadores que iluminavam o rosto de forma superlativa, ao ponto de não haver necessidade de palavras para descrever as complexas emoções humanas.
Mas quando falamos de realizadores que sabiam filmar a expressão dos rostos, raramente nos lembramos de Alfred Hitchcock. E são dele algumas das mais poderosas imagens de rostos, de olhares e de expressões faciais de toda a história do cinema.
Eis algumas provas (quase todas associadas ao medo, à angústia e ao prenúncio de morte):







Sequência de imagens correspondem aos filmes: Rear Window, Psycho, Topaz, Stage Fright, I Confess, Psycho, The Wrong Man, Frenxy x 3, Psycho, Birds, Vertigo, Psycho, Birds e Family Plot - o último plano do último filme de Hitchcock.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

"Para que serve isto tudo?"


Empregado: Boa noite. Vão desejar qualquer coisa... acerca de falar?
Sr. Hendy: O que é isto aqui?
Empregado: Ahhh, isto é um restaurante de filosofia.
Sr. Hendy: É um desporto?
Empregado: Ahh, não, é mais uma tentativa para, hum, construir uma hipótese viável para, hum, explicar o sentido da vida!
Sr. Hendy: Oh, parece excelente. Queres falar acerca do sentido da vida, querida?
Sra: Hendy: Claro. Porque não?
Empregado: Então vai ser "filosofia para dois"?
Sr. Hendy: Sim, ahh...
Empregado: Querem que eu comece?
Sr. Hendy: Oh, gostávamos, sim.
Empregado: Está bem! Bom, ouçam, já alguma vez perguntaram porque é que estão aqui?
Sra. Hendy: Bom, fomos a Miami no ano passado e à Califórnia há dois anos e...
Empregado: Não, não. Quero dizer, ehh, porque é que estamos aqui... neste planeta.
Sr. Hendy: Humm, não.
Empregado: Ahh, e já alguma vez quiseram saber para que serve isto tudo?
Sr. Hendy: Não.
Sra. Hendy: Não, não.
(in "O Sentido da Vida", Monty Python, 1983)

Eisenstein: a autobiografia


Gosto de autobiografias de realizadores. Já li umas quantas deveras extraordinárias, como as de Charles Chaplin, Andrei Tarkovski ou Luis Buñuel.
Uma autobiografia que nunca consegui ler - até porque não existe edição portuguesa (brasileira sim) é a do realizador Sergei Eisenstein: "Memórias Imorais".

Eis o que reza a interessante sinopse: "Este é um livro de memórias sui generis. E nem poderia ser diferente. Escrito, dois anos antes de sua morte, por um dos maiores e mais inovadores cineastas de todos os tempos, tem um estilo fragmentário e assistemático que faz lembrar os brilhantes efeitos de montagem obtidos por Eisenstein nos seus filmes.
Nele, o autor de "O Couraçado Potemkin" narra a sua vida na Rússia desde a Revolução - em que serviu no exército bolchevique como voluntário -, as viagens pelo Ocidente, os encontros com celebridades como Jean Cocteau, Paul Éluard e James Joyce, os triunfos e as tribulações. Memórias imorais mostra, além disso, a grande erudição de Eisenstein - que, no entanto, nada tinha de pedantismo. Dois capítulos falam, por exemplo, de sua relação apaixonada com os livros, outro discute a obra de Edgar Allan Poe, etc. Essas memórias mostram também a diversidade de interesses do autor, que, entre outras coisas, foi um excepcional desenhista, como se pode constatar pelos trabalhos reproduzidos no livro."