quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Tarantino no Irão


As manifestações populares realizadas ontem no Irão revelaram algumas situações bem curiosas, como a que documenta esta imagem: jovens ostentam um grande cartaz com os dois protagonistas do filme "Pulp Fiction" de Quentin Tarantino.
Só não se percebe se o dito cartaz tinha como intenção simbólica disparar contra a polícia de intervenção, ou se seria para mostrar ao mundo a violência veiculada pelo "infiel" cinema ocidental.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Uma nova era para a imagem

Desde que conheci o alucinante e inovador espectáculo visual, "ISAM", do Amon Tobin que comecei a interessar-me, mais a sério, pela criação visual virtual e de "video mapping". Com a tecnologia digital e multimédia disponível, de há uns anos para cá, tem surgido uma nova geração de artistas visuais que inovam nos conceitos de espectáculo multimédia. A ambição é de tal ordem que já não chega apresentar os trabalhos em salas de espectáculos convencionais. Têm de ir para o exterior, aproveitando as fachadas de enormes edifícios para os transformar e lhes dar, digamos, "vida" (também recorrendo à tecnologia 3D).
O resultado é quase sempre um trabalho colossal de programação informática ao mais alto nível da sofisticação, um deslumbramento visual impensável há meia dúzia de anos atrás. É todo um mundo novo de imagens e experiências audiovisuais que se abre, com possibilidades plásticas e estéticas impressionantes. Há já, até, festivais internacionais dedicados a esta nova tendência artística. Já conhecia algumas experiências do género, mas fiquei hoje deveras impressionado quando me mostraram o vídeo em baixo. Trata-se de um colectivo de 4 artistas designado AntiVJ (considerado um dos melhores do mundo) que se dedica a intervir em espaços abertos, construindo para tal, trabalhos virtuais que desafiam o olhar.

Basicamente, é isto: uma projecção virtual de 5 minutos numa enorme fachada (lisa) de um prédio. O som e a música são essenciais para perceber a dimensão artística do feito (a sincronia entre imagem e som é perfeita). Há um imprevisível processo de metemorfose de formas, construção e desconstrução de linhas e texturas, como se do nada surgisse matéria e se transformasse a cada novo segundo. O público assiste ao vivo - certamente atónito - a toda esta parafernália visual. Dada a complexidade deste trabalho e ao facto de ser uma produção muito cara, apenas tem 5 minutos de duração, dos quais os últimos dois são verdadeiramente incríveis (o ideal é ver em ecrã cheio e com o volume de som elevado).
Uma nova era da imagem já começou, portanto.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Playtime #65


A solução: "Lenny" (1974) - Bob Fosse
Quem descobriu: Sam

Posters de cinema - A repetição

Do que falamos quando falamos de posters (cartazes) de cinema? Falamos de uma histórica e longa tradição que remonta ao período do cinema mudo. Um objecto e um suporte iconográfico explorado de mil e uma maneiras para promover uma obra cinematográfica. Os grandes géneros de cinema tiveram uma especificidade visual muito própria. Por exemplo, os posters do género Cinema Negro (Noir), mostravam quase todos os gangsters com pistola na mão, a noite e a inevitável "femme fatale" (loura ou morena). Já os posters dos Western apelavam à paisagem deserta, ao cowboy a galope no seu cavalo, ao culto da pistola e da pose heróica.
Ora, toda essa iconografia característica desapareceu. Graficamente e em termos de criatividade estética, os posters de hoje são quase sempre previsíveis, repetindo modelos já experimentados anteriormente.
Senão, vejam-se estes exemplos: filmes de vários géneros cujos posters são muito semelhantes, com a repetição de fórmulas visuais sem distinções, sem originalidade. Ou o fundo amarelo, ou a pose do par romântico de costas ou de pernas abertas, ou o cenário paisagístico azul para os filmes/documentários da natureza, ou o grande plano de um olho para os filmes de terror. Todas estas soluções estão mais do que gastas, mas subsistem por um motivo óbvio: é porque os produtores e realizadores sabem que funcionam junto do público-alvo.
(Carregar nas imagens para melhor visualização)








sábado, 26 de novembro de 2011

A escadaria de Odessa

É, indiscutivelmente, uma das melhores sequências de cinema jamais filmadas e que mais influência e fascínio exerceu sobre gerações de realizadores e cinéfilos: a sequência do massacre da escadaria de Odessa na obra-prima "O Couraçado Potemkine" (1925) de Serguei Eisenstein.
A teoria da montagem do cineasta russo é posta à prova neste magnífico trabalho de realização e montagem. Todos os planos têm um significado e a montagem é composta com um extraordinário sentido do ritmo e da cadência de imagens. Para a posteridade, ficaram as cenas da mãe com o filho morto ao colo que acaba por ser morta com um tiro no olho; os soldados cossacos a descer em parada a escadaria fuzilando a população; e o carrinho de bebé que desce, desgovernado, a escadaria.
Nas décadas seguintes, foram muitas as referências a esta famosa sequência, umas mais sérias, outras mais em registo de paródia, umas mais óbvias, outras mais subtis. Por exemplo, é impossível não perceber a homenagem que o realizador Brian De Palma faz ao filme de Eisenstein quando cita esta sequência do tiroteio na escadaria no seu filme "Os Intocáveis" (1987).
Para além deste filme de De Palma, muitos outros fizeram referência à escadaria de Odessa, como está bem patente visitando este link.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Revisitar Talking Heads


Assinei há tempos a mailing list do músico David Byrne e recebi hoje a informação de que acaba de ser lançado um DVD contendo raridades de concertos ao vivo dos Talking Heads, uma das mais importantes bandas dos anos 70 e 80 da chamada New Wave. Esta edição, intitulada "Talking Heads Chronology" (tem uma excelente capa), contém várias actuações do início da carreira da ex-banda de Byrne (entre 1976 e 1983), assim como entrevistas, videoclips, um livro de 48 páginas e outros conteúdos interessantes que farão as delícias dos admiradores da banda que criou "Psycho Killer".

Eis a track list:

1) Mic Test (1976)
2) With Our Love (1975)
3) I'm Not In Love (1975)
4) Psycho Killer (1975)
5) Intros Montage (1976)
6) The Girls Want To Be With The Girls (1976)
7) Don't Worry About The Government (1978)
8) Dressing room fan footage: Found A Job (1978)
9) Thank You For Sending Me An Angel (1978)
10) Warning Sign (1978)
11) Artists Only (1979)
12) Take Me To The River (1979)
13) Crosseyed And Painless (1980)
14) Animals (1980) 15) Love → Building On Fire (1982)
16) Cities (1982)
17) Burning Down The House (1983)
18) Life During Wartime (2002)

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Os DVD na loja

Esta fotografia foi tirada hoje numa superfície comercial. O que me despertou a atenção, na secção de vendas de DVDs, foi a inusitada junção de dois filmes que, aparentemente, nada têm em comum. Já se sabe que neste tipo de lojas o cuidado na selecção e exposição dos filmes é pouco ou nenhum.
Depois a displicência dá nisto: "O Segredo de Brokeback Mountain" mesmo juntinho ao filme pornográfico "Algarve Anal" (com a seguinte chamada de atenção - "Em tempos de crise o Algarve está aberto a novas experiências"; "Inclui versão 2D e 3D").
Fiquei a pensar se o repositor da secção de DVD terá colocado, propositadamente ou por mero acaso, lado a lado, estes dois filmes.
E fiquei com sérias dúvidas quanto à possibilidade intencional desta relação...

"O Guia de Cinema do Depravado"


Slavoj Žižek, filósofo e psicanalista esloveno, é considerado um dos pensadores mais heterodoxos e estimulantes da actualidade. Filósofo e psicanalista, professor convidado em diversas universidades da Europa e dos Estados Unidos, Žižek é até considerado (por vezes num sentido pejorativo) uma espécie de “estrela mediática” do pensamento contemporâneo. É autor de uma vasta bibliografia (traduzida em 20 línguas) sobre os mais diversos temas, com um especial enfoque no cinema. É por esta faceta que me interessei por este teórico.

De Slavoj Žižek tenho apenas o livro “Lacrimae Rerum - Ensaios Sobre Kieslowski, Hitchcock, Tarkovski e Lynch”, obra que não consegui ler até ao fim (defeito meu, talvez) por ser tão hermética na sua abordagem ensaística. Gosto dos quatro realizadores referenciados nesta obra e gostei de ler a visão psicanalítica que Žižek tem do cinema de David Lynch. Aprecio também o seu peculiar sentido de humor e a sua inequívoca inteligência. Porém, no livro referido, já não consegui compreender o que o filósofo vê na obra dos outros 3 cineastas. Apesar de defender que pretende, com as suas análises, “tornar as coisas claras”, a verdade é que eu acho que, em muitos textos seus, as torna ainda mais complicadas. A linguagem técnica utilizada – formatada pela filosofia analítica e pela psicanálise – não é de fácil apreensão pelo comum dos mortais não iniciados na matéria.

Isso não significa que não queira ver – quero muito, mas ainda não tive oportunidade – o documentário que editou em 2006: “O Guia de Cinema do Depravado”, um filme estruturado em 3 partes com 150 minutos de duração, no qual Žižek tenta desmontar a linguagem escondida por detrás de filmes como “Matrix” ou os clássicos de Hitchcock.
Temo é que depois de ver o documentário acabe por ficar algo frustrado (como aconteceu com o livro), coisa que não aconteceu (muito pelo contrário) com os documentários narrados por Martin Scorsese sobre o cinema italiano e americano.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

O Homem Que Sabia Demasiado - 4 anos



Faz hoje 4 anos que abrir o blogue O Homem Que Sabia Demasiado. O balanço geral é bastante positivo. Foram 4 anos de intensa actividade, sobretudo em 2008 e 2009, com uma média louca de 90 posts por mês (o máximo foram 110 publicações em Março de 2010!). Em 2011, e sobretudo nos últimos meses, sinto que essa intensa actividade tem diminuído consideravelmente. A verdade é que, apesar de algum reconhecimento no meio da blogosfera (fui novamente nomeado para Melhor Blogue Individual para os TCN Blog Awards 20111), o entusiasmo de escrever sobre o mundo da cultura que me interessa, foi decaindo ao longo do tempo. Sinto que há um fim para tudo.


Nos últimos meses tenho tido uma média escassa de 30 posts por mês, e pela primeira vez, houve até dias em que não publiquei nada. Não que a quantidade de informação signifique qualidade, mas...A vida pessoal e profissional, aliada a uma certa falta de inspiração que me permita manter o nível elevado de quantidade e qualidade de publicações, origina uma certa letargia que não sei onde pode vir a parar (o número de comentários também tem diminuído, pelo que não consigo avaliar, em rigor, o nível de interactividade que este blogue suscita).


Não quero que este blogue entre num processo paulatino de decadência, e preferia acabar já com ele, agora que ainda mantém alguma dignidade, do que arrastar-me por lamacentas e desinteressantes publicações só para dizer que estou activo na blogosfera. Não faria sentido. Temo repetir-me, temo baixar o nível de qualidade. Mas por outro lado, tenho respeito pelos quase 500 seguidores e outros leitores fidedignos ou ocasionais deste blogue, e por isso não tenho esmorecido. No entanto, compreendo a decisão do Álvaro Martins, autor de um dos mais interessantes blogues de cinema, Preto e Branco, que resolveu fechar o seu espaço na blogosfera por, em parte, ter sentido um certo esgotamento e cansaço.


Muito honestamente, não sei se este espaço na internet se manterá vivo (e com a mesma vivacidade, diga-se) para chegar ao seu quinto aniversário. O tempo dirá o que vai acontecer, mas por enquanto vou-me esforçando para me manter por cá.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Cartazes minimalistas

Adoro este conceito de cartazes minimalistas de cinema. Em termos da criatividade ao nível do design e da qualidade plástica e visual (e até de comunicação) são muito melhores e mais belos do que os cartazes conhecidos.

Só que não são, digamos, "comerciais".





Um grande filme de 1928



Henri Langlois, famoso director da Cinemateca Francesa, afirmou em 1953 que este filme tinha uma "riqueza técnica extraordinária". E cineastas da grandeza de um Jean Vigo e de um Carl Dreyer manifestaram a sua profunda admiração pela atmosfera poética desta obra do realizador francês Jean Epstein (1897 - 1953).
A obra em causa é uma célebre adaptação de um conto de terror gótico do escritor Edgar Allan Poe: "A Queda da Casa de Usher". Uma história de uma sinistra casa isolada no meio de lagos na qual vivem um lorde (Roderick Usher) obcecado pela sua mulher. O filme foi realizado no período de ouro do cinema mudo (1928) e, apesar da inequívoca originalidade e qualidade da obra, foi mal compreendido na época.


Filme de grande beleza plástica, de efeitos e metáforas visuais de grande impacto (câmara lenta, fotografia de sombras, cenas oníricas...) , "A Queda da Casa de Usher" (que Roger Corman recriaria em 1960 com Vincent Price como protagonista) é ainda considerado um marco do cinema de vanguarda dos anos 20. Jean Epstein, amante de filosofia, de poesia, oriundo de famílias aristocráticas e de grande cultura, foi também claramente influenciado pelo surrealismo e pelas teorias estéticas do russo Dziga Vertov. Esta obra permanece como uma das melhores adaptações cinematográficas do universo de Edgar Allan Poe, seja pela criatividade expressa no estilo abstracto da narração, seja pela prodigiosa utilização da imagem, da iluminação, dos enquadramentos ou dos jogos de montagem, que conferem ao filme uma atmosfera poética admirável, carregada de surrealismo e onirismo psicológico. De referir que o realizador espanhol Luis Buñuel foi assistente de realização neste filme, experiência que o terá levado a fazer a curta-metragem "Un Chien Andalou" (1928).

Um dos mais formidáveis filmes mudos da história do cinema, "A Queda da Casa de Usher" é um belo manifesto da arte poética e visualmente expressiva que é o cinema, numa obra plena de segundos sentidos, de um formalismo fascinante e de uma atmosfera perturbadora. Para comprovar esta teoria, basta apreciar estes escassos minutos de um excerto do filme (com música original de Stephan Micus):

domingo, 20 de novembro de 2011

Toda a música dos Beatles... numa faixa


Com a tecnologia digital e de produção musical existente hoje em dia tudo é possível. Até reunir as 226 canções que os Beatles compuseram em toda a sua carreira e reuni-las numa só faixa. Para quê? Basicamente, para ouvir como soam todas essas canções misturadas ao mesmo tempo. Apesar da ideia de juntar muitas músicas numa só já não ser original, a verdade é que a iniciativa de misturar, rigorosamente, todas as músicas da banda de Liverpool deveu-se a um tal DJ Ramjac.
Ao longo dos 8 minutos que a faixa dura, conseguimos identificar diversas músicas dos Beatles, mas a partir do meio deste trabalho impressionante, a massa sonora adquire contornos totalmente indistintos e até violentos. Basicamente, aquele ruído todo é o resultado da junção das tais 226 canções dos Beatles. Certamente uma ideia que agradaria a grandes aventureiros da música contemporânea de vanguarda como John Cage ou Karlheinz Stockhausen.
E claro que o título desta experiência só podia ser um: "All Together Now" (título de uma música dos Beatles e que atribui sentido conceptual a este trabalho de DJ Ramjac).
Eis o link.

Kubrick e a fotografia


Adoro fotografias de bastidores de filmes. Vendo estas fotos podemos pressentir o ambiente existente durante a rodagem de um filme, descortinar pequenos pormenores, compreender a dinâmica de uma rodagem.
Por outro lado, estas fotografias de produção revelam momentos de genuína espontaneidade. É o caso desta fotografia específica.
Trata-se de uma magnífica imagem que capta o momento de uma pausa durante a filmagem do filme "The Shining" (1980) de Stanley Kubrick. Nesta fotografia, tirada pelo próprio realizador, vemos Kubrick abraçado à sua filha e a disparar para o espelho da casa de banho do filme, com Jack Nicholson em primeiro plano desfocado e, do outro lado, um operador de câmara a preparar a cena seguinte (não esqueçamos que Kubrick começou a sua carreira profissional como fotógrafo).
Notável imagem, de facto.

sábado, 19 de novembro de 2011

Hitch: as cenas recriadas

Em 2008, a famosa revista de moda Vanity Fair levou a cabo uma notável produção fotográfica que recriou cenas célebres de filmes de Alfred Hitchcock. Na altura, este trabalho fotográfico foi muito elogiado, não só pelo primor e qualidade da produção em si, como pelo respeito e fidelidade ao imaginário visual dos filmes do mestre do suspense. Para além disso, todas as fotos recriadas tinham actores e actrizes da constelação maior de Hollywood.
Das onze fotografias, as duas que gostei mais, aquelas que, quanto a mim, melhor reproduziam as cenas dos filmes clássicos de Hitchcock, são as que se referem ao filme "Psycho" (com a actriz Marion Cotillard a fazer de Janet Leigh):
E "The Birds" (com Jodie Foster a fazer de Tippi Hedren):
Para ver (ou rever) as restantes fotografias com outras cenas dos filmes de Hitch, é favor carregar neste link.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

"O Cavalo de Turim" - O fim de tudo


O realizador húngaro Béla Tarr afirmou que "O Cavalo de Turim", Urso de Prata no Festival de Berlim, representa o último filme da sua carreira, justificando que já nada mais tem a fazer e a dizer com o seu cinema. Depois de ver o filme, concordo com ele (mesmo considerando que, em 2007, realizou uma obra-prima chamada "O Homem de Londres"). Depois deste filme, Béla Tarr não tem de provar mais nada, não tem necessidade de revelar, uma vez mais ao mundo, a sua mestria, a sua visão inigualável do cinema.

Durante 146 minutos, o espectador fica submerso perante a belíssima - e ofuscante - fotografia, hipnotizado pela música repetitiva, preso à vida rotineira do pai, da filha e do cavalo no campo, isolados de tudo e de todos. Pai e filha vivem do que transportam numa velha carroça e esperam durante 6 dias que o cavalo doente recupere para retomarem as actividades que os sustentam. O quotidiano é marcado por raras frases e acções monótonas sob uma ténue luz e dolorosos actos repetitivos. Mas é nesses momentos monótonos onde, aparentemente, nada acontece de diferente, que Béla comunica com o espectador. Tarr dá ao espectador tempo para observar e para pensar, porque este filme está repleto de ideias filosóficas, apesar da suposta banalidade narrativa.
É um filme perturbador pela aparente simplicidade formal, de uma grande exigência para o espectador comum: uma obra feita de pequenos detalhes visuais, de longos e hipnóticos movimentos fluidos de câmara, da crescente desagregação da relação entre pai e filha, da metáfora pessimista sobre o estado da humanidade (a partir de um episódio verídico protagonizado por Nietzsche), dos ruídos e silêncios, da escuridão súbita, do som do tenebroso vento constante... Tudo isto e muito mais é "O Cavalo de Turim", um filme de uma intransigência estética sem paralelo no cinema actual, de um radicalismo irredutível, de uma beleza plástica sufocante, de um estilo narrativo minimalista que desconstrói a forma convencional de olhar para imagens em movimento.

Béla Tarr arquitectou um filme sobre o fim dos tempos, o vazio absoluto, um mergulho angustiante no coração das trevas mais profundas. Não há violência, não há terror, não há sangue; mas em casa imagem, em cada plano e movimento de câmara, pressente-se um terror insano, um desassossego da alma, uma sensação absoluta de solidão que nos leva ao âmago da essência da existência: ou seja, ao Nada. Todo o filme é assolado por uma espécie de caos calmo, pela proximidade fétida da morte, num mundo sem esperança e sem Deus, que vai varrendo os restos de humanidade daquelas personagens. Um vizinho do velho diz-lhe: "A decadência do mundo foi provocada por seres maus, que tudo dominam, sem interferência de Deus. Os seres bons foram derrotados, ninguém mais os protege. Tudo está decadente, podre, em total desmoronamento. O fim está próximo”. Ver "O Cavalo de Turim" é sentir essa experiência-limite, quase física, quase abstracta, quase claustrofóbica, que provoca e incomoda, mas que não deixa ninguém indiferente.

Aquando da exibição do filme no Brasil, a produtora de Béla Tarr, Juliette Lepoutre, avisou a plateia: “O que vocês vão ver não é um filme, mas uma experiência de vida”. Se este é mesmo o último filme de Béla Tarr, então deixou ao mundo um "experiência de vida", em forma de testamento monumental, um objecto estético cujo conceito ultrapassa o do "cinema." Esta é já uma outra linguagem, outra força expressiva, bruta e complexa, que desafia e desconcerta, um olhar profundo sobre a essência das coisas que nem Tarkovsky ou Dreyer alguma vez conseguiram almejar.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

5 ideias do cinema hitchcockiano


Segundo defende o crítico Robin Wood no seu livro "Hitchcock's Films Revisited", o cinema de Alfred Hitchcock centra-se em cinco principais ideias ou elementos:

1- O Falso Acusado
2 - A Mulher Culpada
3 - O Psicopata
4 - Espionagem e Intriga Internacional
5 - O Casamento
____
Confesso que concordo, sem pestanejar, com os primeiros quatro tópicos, mas fiquei a pensar na justificação em relação ao quinto...

Saul Bass e "Psycho"

Saul Bass, lembrado num post mais em baixo a propósito de um livro sobre o autor, desenhou com grande rigor o storyboard da cena mais famosa do mítico filme "Psycho" (1960) de Alfred Hitchcock. Depois da morte do realizador, Saul Bass veio dizer que foi ele próprio a filmar esta sequência seguindo, milimetricamente, o storyboard que concebera. Mas ao que parece, não foi bem assim, já que há 'frames' do filme que não constam no esboço de Bass.

Seja como for, a verdade é que se trata de um momento histórico e marcante do cinema de Hitchcock, muito por culpa da criatividade visual de Saul Bass.
(Clicar na imagem para aumentar)

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Gus Van Sant sobre Béla Tarr

Já se sabia que o realizador Gus Van Sant nutria uma especial admiração pelo cinema do húngaro Béla Tarr. Prova desta profunda admiração são os filmes "Gerry", "Elephant" e "Last Days", realizados sob a clara influência estética de Tarr.
Ora, o que eu nunca tinha lido era um artigo do próprio Gus Van Sant a explicar porque é que considera Béla Tarr um dos raros cineastas visionários da modernidade. Esse artigo foi escrito em 2001 a propósito de uma retrospectiva do cinema do realizador húngaro no MoMA (EUA).
Eis o artigo de Gus Van Sant a explicar a sua veneração.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Sophie e Henry: o peso dos apelidos

Eis dois casos bem sucedidos que comprovam o adágio popular que diz "filho de peixe sabe nadar": dois jovens filhos de grandes talentos artísticos (cujos apelidos dizem tudo). Por um lado, Henry Hopper, filho do grande actor de culto Dennis Hopper. Tem apenas 21 anos e é actualmente a estrela do novo filme de Gus Van Sant ("Restless").
Sophie Auster, 23 anos, por seu lado, carrega a responsabildiade do apelido do pai, Paul Auster, um dos grandes escritores norte-americanos vivos. Entrou pela primeira vez num filme aos 8 anos mas é a música que a tem submetido debaixo dos holofotes internacionais. Editou um álbum há uns anos, está a caminho de lançar um segundo e esteve há dias no Estoril & Lisbon Film Festival a mostrar o ar da sua graça.
Duas jovens promessas, repletas de potencial, criatividade e beleza que, certamente, com o futuro exigente das suas carreiras, irão honrar os pesados apelidos que ostentam.
Henry Hopper
Sophie Auster

Jelonek

Já não é original juntar heavy metal e instrumentos eruditos como cordas de orquestra (violino e violoncelo). Mas a forma como o violinista polaco Jelonek pratica esta mesma fusão é algo que me agrada sobremaneira. Mais a mais, porque recorre a imagens do clássico "Nosferatu" (1922) do realizador Murnau para complementar a música: