quinta-feira, 9 de abril de 2009

A vida a fugir entre os dedos

A magnífica e jovem actriz portuguesa Ana Moreira disse num jornal que o “cinema português é muito bom”. O último filme português que vi ao qual se aplica a classificação de “muito bom” foi “Entre os Dedos” de Tiago Guedes e Frederico Serra. Depois do surpreendente “Coisa Ruim”, em que os dois realizadores exploraram, com resultados positivos, o thriller de terror (género inexistente em Portugal), “Entre os Dedos” revelou-se uma segunda surpresa. Não apenas pela mudança de registo (uma espécie de misto de ficção com toque documental), mas pela segurança na realização e arrojo estético manifestados: filmado numa esplendorosa fotografia a preto e branco (só vi, recentemente, um filme com uma fotografia superior), com a câmara ao ombro e enquadramentos titubeantes (à John Cassavetes), um argumento coeso (de Rodrigo Guedes de Carvalho), uma banda sonora sublime (de Jorge Coelho, ex-Zen) e interpretações de uma fulminante contenção dramática, “Entre os Dedos” revelou-se um belíssimo testemunho do mais recente cinema português. Jogos de sombras, de penumbras e melancolia imensa.
Um filme que é um olhar, sem contemplações, para os pequenos mas contundentes dramas do dia-a-dia de qualquer comum cidadão ou família: a chaga do desemprego que desencadeia o desmoronar de um matrimónio, a doença terminal de um jovem que odeia a mãe e que pergunta à enfermeira “como é que se morre?”, um antigo combatente do Ultramar amarrado às suas angústias passadas, uma filha sem vida, uma avó (passageira Eunice Muñoz) fantasmagórica. “Entre os Dedos” é sobre uma sociedade em deriva existencial, sobre homens e mulheres presos nos seus labirintos de sofrimento, sobre a desesperança de novos horizontes, sobre a vida e relações humanas que se escapam, precisamente, entre os dedos.  

3 comentários:

Coldsector disse...

Ontem tive imensa pena de não puder ir ver o filme no TMG, infelizmente bateram-me no carro e não tinha como me deslocar ao teatro, se já antes tinha imensa vontade de ver este filme agora depois de ler a tua critica Victor ainda fiquei com mais interesse, sempre achei muito bom e interessante o Coisa Ruim.

Espero agora ter a oportunidade de o ver no festival de cinema "Caminhos do Cinema Português" em Coimbra.

Já agora a todos os interessados por cinema, procurem no google o festival, para além de uma selecção de filmes muito boa conta também com vários workshops, que são desde stop motion a argumento, entre outros, nem sempre temos oportunidade de ver workshops assim por cá.

Álvaro Martins disse...

Não gostei do Coisa Ruim, mas já não és o único que vejo a falar muito bem deste Entre os Dedos. Tenho imensa vontade de o ver, mas infelizmente ainda não consegui. Mas já que falamos de cinema português, já viste o A Corte do Norte do João Botelho? o Mário Jorge Torres do Público dá-lhe 5 estrelas e diz maravilhas do filme. Mas o Vasco Câmara já só lhe dá 2.
Estou com muita vontade de ver esse também.

Unknown disse...

Não, ainda não vi o filme do Botelho, mas sei que teve boas e menos boas críticas. Mas claro que o cinema português nunca é consensual - divide sempre a crítica. Aliás, como o filme do Tiago Guedes...