segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Cinema comercial português - alvo a abater!


O realizador Leonel Vieira quis fazer um filme de acção à americana, com influências estéticas assumidas dos irmãos Coen e de Quentin Tarantino. O filme chama-se "Arte de Roubar" - trailer aqui - e estreou a semana passada nas salas portuguesas. Os críticos de cinema, como é habitual nos filmes de Vieira (que é claramente o único realizador comercial português), têm arrasado completamente o filme. Abaixo de cão, dizem (que eu não vi e por isso não posso opinar). "Arte de Roubar" tem a particularidade de ser integralmente falado em inglês, o que já fez com que despertasse o interesse do mercado internacional, revela Leonel Vieira. O realizador português acredita que o filme, tendo as referências que tem e por ser falado na língua de Shakespeare, "vai vender internacionalmente mais do que qualquer filme português vendeu até hoje".
Nas entrevistas que tem dado, e questionado sobre se o filme é português ou inglês por causa da língua, este tem-se defendido, e bem, com respostas como: "o filme espanhol 'Os Outros' é falado em inglês e ganhou os principais prémios espanhóis de cinema; Manoel de Oliveira também já fez filmes falados em francês; realizadores franceses e italianos fizeram o mesmo - ninguém contestou a nacionalidade do filme por causa da língua".
O filme "Arte de Roubar" pode ser um verdadeiro excremento de cinema, mas Leonel Vieira tem toda a razão no que afirma. É uma questão estéril. É o mesmo que perguntar se os músicos portugueses, ao cantarem em inglês ou russo, fazem música "portuguesa" ou "russa". Fazem música, ponto. É uma opção que merece ser respeitada. Por outro lado, por mais que se odeie o oportunismo aparente de Vieira, não se pode repudiar a legitimidade que lhe assiste por assumir as pretensões comerciais do filme e da sua eventual internacionalização. É um projecto claramente comercial e virado para o mercado externo. Não estamos a falar de filmes de "arte e ensaio" do Pedro Costa ou do Miguel Gomes.
O cinema de Leonel Vieira tem todo o direito a existir. E há que respeitá-lo pela sua opção de assumir-se como produto comercial, independentemente dos juízos estéticos que se lhe possam atribuir. E é isso que incomoda a elite crítica nacional - a possibilidade de um filme português que vai buscar influências directas a um certo cinema de autor mais popular (um português a imitar Tarantino? Oh heresia!), poder vir a ter sucesso internacional por ser falado em inglês. Nos cânones críticos nacionais um filme com pretensões minimamente comerciais e de puro entretenimento nunca, mas nunca mesmo, poderá ter atributos artísticos. Logo, será sempre lixo. Daí que tudo o que cheire a cinema português feito à maneira americana, seja um alvo a abater sem remissão. Há preconceitos culturais mais retrógados do que estes? É que nem todos os cineastas portugueses pretendem ser o novo Robert Bresson, o novo Carl Dreyer, o novo João César Monteiro, ou criar linguagens estéticas de ruptura e inovadoras.
"Arte de Roubar" representa uma vertente de produção cinematográfica que tem de ter o seu próprio espaço e, certamente, o seu público. Não é um fenómeno de agora, já vem muito de trás. A verdade é que, a concretizar-se a ambição de Leonel Vieira, será algo que irá continuar a incomodar muita gente das esclarecidas esferas intelectuais deste país.

9 comentários:

AEA Produção disse...

Não existe problema nenhum na língua... logo que a linguagem seja CINEMA.
O problema e que muita gente ignora, é que talvez Pedro Costa, João Pedro Rodrigues, Miguel Gomes e Oliveira vendem mais no estrangeiro do que imaginam... FANTASMA de JPR teve um ano em NY numa sala é verdade mas um ano.

Cumprimentos e boa sorte para as vendas do Leonel Vieira porque não tem tido muita sorte.

Rolando Almeida disse...

Nem mais Victor,
Completamente de acordo. Mais a mais, se um crítico de cinema quiser publicar um estudo sério sobre o cinema e se quiser ser lido por gente séria que sabe de cinema, vai ter de o publicar em inglês, que é a lingua culta. E daí? Depois porque existe toda uma cultura minoritária que vive da sombra do sucesso comercial deste tipo de cultura mais comercial. Mas nós portugueses sempre tivemos a mania de fazer cirurgia sem sequer querer aprender a medicina geral. E isto é errado. Tem-se passado no cinema, na filosofia, na ciência, etc.. Por vezes mais vale uns 30 realizadores comerciais que uns 200 de culto, por uma razão especial: quer queiramos, quer não, são os comerciais que desenvolvem a indústria para que os outros sobrevivam e tenham maior abertura.

Anónimo disse...

Mas Victor, ele quando compara este uso do ingles no seu filme com o uso do mesmo no filme "Os Outros", esta a ser parvo. No filme do Amenabar, a lingua materna dos actores e o ingles, e nao sao espanhois a falar ingles entre si. Em certos filmes do Oliveira, ha actores de muitas nacionalidades, pelo que se compreende tambem o uso de uma lingua unica para unir todos eles. Agora aqui, sao so portugueses a falar ingles entre si, e as influencias sao todas americanas. O que resta entao da cultura portuguesa neste filme? O que o torna portugues? Sera apenas o facto de ter sido pago por portugueses?

JPM disse...

"Pesadelo cor de rosa", anyone? Now that was a great international success, you know, it was in english also. Ah yes, Tarantino... I thought mentioning is name in vain was so midnineties. Apparently Leonel is only ten years late so no big deal.

This comment should have a great reach in the blogosphere, as it's written in english, it must be a sure thing. Or then again maybe not.

-jpm

Unknown disse...

"Pesadelo cor de rosa - Now that was a great international success.."

You're joking, right?

Fernando Ribeiro disse...

Principalmente temos que dar crédito a Leonel Vieira por nunca ter medo de arriscar. 'Arte de Roubar' é falado em inglês com actores portugueses, isso é esquesito sim, mas é uma opção que se tem que respeitar. Como o filme apresenta uma propositada estética bastante 'hollywoodesca', creio que foi uma opção válida.

Não sou grande apreciador de Leonel Vieira. Este filme é mais um a juntar aos fracos que ele já tem, mas ao menos o homem arrisca. É pena é sair-lhe um bocado para o torto. 'Arte de Roubar' até começa bem, mas após a primeira meia hora, começa completamente a descarrilar.

Cumprimentos.

Anónimo disse...

Caro Fernando,q filmes portugueses conhece com projecçao internacional??? Se calhar "o patio das cantigas" Ou o "leao da estrela" Nao?
Leonel Vieira revela grande saber e inteligencia no seu oportunismo, pois ele tem a coragem de revelar o q vai mal nos meios cinefilos portugueses ao optar por um idioma quase universal. Pode ser que desta vez as coisas lhe corram melhor, pois é esta a sua forma de vida...
Para terminar só queria dizer que me diverti imenso a ver o filme.
CG

jorge vicente disse...

Desculpe só mandar um comentário agora, mas o argumento de que o filme de leonel vieira tem toda a legitimidade em ser falado em inglês está completamente errada, assim como tentar justificar isso com "the others" de alejandro amenabar:

1º - muitos filmes de realizadores europeus falados em inglês têm personagens inglesas como é o caso de "the others" ou de "blindness" (que não é num sítio explícito, penso eu de que). Ora, Leonel Vieira põe personagens portuguesas a falarem inglês entre si o que é muito estranho. Poderia aceitar se ele quisesse ser surrealista, mas como acho que o objectivo dele era apenas a internacionalização do filme, não aceito o argumento.

- ele podia fazer uma versão em português para o mercado português e outra em inglês para o mercado internacional, que é o que geralmente acontece.

2º - o argumento da música também é disparatado. um filme reproduz a realidade, reproduz o quotidiano das pessoas. ora, aqui em portugal, ninguém fala em inglês na rua com os amigos, nem com a família a não ser que esteja na escola a aprender inglês. logo, em cinema e se quisermos que o nosso filme seja o mais realista possível, devemos falar a nossa língua. um belo exemplo disso é o filme de bruno de almeida, onde se fala inglês, português, etc consoante a língua da personagem.

a música é diferente. apesar de partilhada com a audiência, é um acto/monólogo interior, tal como a poesia, etc. temos toda a liberdade de a escrever como quisermos, apesar de eu estar muito mais à vontade com a língua portuguesa (como é natural lol).

todos os outros factos: imitar tarantino, tentar fazer um filme que copie alguns modelos norte-americanos, tem toda a legitimidade para o fazer.

e não pensem que eu quero crucificar leonel vieira: eu adorei o anterior filme dele, "julgamento", com o qual fiquei muito bem impressionado.

um grande abraço
jorge vicente

Unknown disse...

Jorge Vicente: obrigado pelo contributo deste comentário.

Eu tenho um problema: confesso que arrisquei muito na minha opinião neste post porque não vi ainda o filme. Quando o vir, provavelmente, poderei concordar com tudo o que disse...

Volte sempre.
VA