sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Fellini: 15 anos depois


Faz hoje 15 anos que morreu esse genial fazedor de sonhos e pesadelos: Federico Fellini. No dia 31 de Outubro de 1993 desaparecia um dos mais singulares cineastas europeus da segunda metade do século XX. Realizou alguns dos filmes mais originais dos últimos 40 anos, barrocos e excessivos, surreais e (visualmente) majestosos e poéticos, mas continuarei sempre a preferir aquele drama pungente à flor da pele chamado "A Estrada" (1954), filme que arrebatou o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. Na memória ficará para sempre a última sequência desse filme: um Anthony Quinn devastado pela morte da sua mulher, interpretada pela magnífica Giuletta Masina, na praia à noite, com a música final de Nino Rota...

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

O que é a violência?

Numa conferência de imprensa para promoção do filme "Uma História de Violência" (2005) de David Cronenberg, no Festival Internacional de Toronto, o actor Ed Harris reagiu, para surpresa de todos, de forma... violenta. Terá sido para marcar e reforçar a mensagem implícita no filme ou, simplesmente, apeteceu-lhe acabar ali a entrevista usando os seus dotes interpretativos?

A vida regrada do MEC

Um dos mais brilhantes cronistas e jornalistas dos últimos 25 anos em Portugal explica, em entrevista à revista Sábado, como foram os seus loucos anos de excessos quando estudou em Manchester, criou o semanário O Independente, a revista Kapa, participou no programa de televisão “A Noite da Má Língua” e foi candidato político às eleições europeias. Miguel Esteves Cardoso passou metade da vida com horários trocados em relação ao comum dos mortais (“às vezes levantava-me à meia-noite”) e a trabalhar à custa de muitas drogas e álcool. O fumo também foi um forte aliado: chegou a fumar 80 cigarrilhas por dia. Parou com a vida excessiva quando, há 3 anos, o seu fígado manifestou claras tendências suicidas. Agora adoptou um estilo de vida regrado e equilibrado. Faz o que gosta e para o qual tem talento: escrever. E dá-se ao luxo de ler, diariamente, durante 15 horas. Ah, e converteu-se ao judaísmo, por ser uma religião menos centrada na fé e mais no comportamento humano. Só que não se dá muito bem por ter “muitas regras que torna quase impossível a sua prática”. Continua um “must”, o MEC, portanto.

Livros do Brasil



Eu nunca fui ao Brasil mas amigos meus que já foram dizem-me quão grandioso e diversificado esse país é. E por ser um país com uma população tão grande a oferta cultural é proporcional à sua dimensão. Por exemplo, não há comparação possível entre o mercado editorial brasileiro com o português. E basta uma breve navegação pelos sites brasileiros que vendem produtos culturais para perceber que diversidade, qualidade e quantidade é com o país da Bossa Nova. Repare-se apenas neste site mais vocacionado para o cinema: 2001video.com
Aqui encontramos imensas edições em DVD de filmes raros que não se encontram em Portugal. Com os livros dedicados ao cinema é a mesma coisa. Dezenas de títulos curiosíssimos e interessantes, desde história do cinema, estética, biografias, e assuntos menos comuns como a relação entre escola e cinema; a diversidade cultural no cinema, ou a psicanálise e o cinema. E a maior parte não são traduções de livros estrangeiros, mas sim de escritores e ensaístas brasileiros, o que faz uma grande diferença.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Buñuel na memória

"Último Guión - Buñuel en la Memoria" é o título de um documentário acabado de estrear em salas europeias (Portugal nem vê-lo, por enquanto) da dupla Gaizka Urresti y Javier Espada (director da Fundación Buñuel de Calanda) sobre a vida e obra do realizador espanhol Luís Buñuel. O documentário baseia-se em conversas entre o filho do realizador, Juan Luis Buñuel, e o premiado argumentista Jean-Claude Carrière, autor de alguns dos melhores e mais irreverentes argumentos dos filmes de Buñuel, como os imprescindíveis "Este Obscuro Objecto de Desejo" (1977), "O Fantasma da Liberdade" (1974), "O Charme Discreto da Burguesia" (1972) e "A Via Láctea" (1969). O filme revisita os locais onde o cineasta espanhol viveu e trabalhou (EUA, México, França e Espanha) ao mesmo tempo que se descrevem os epísódios mais interessantes da vida excêntrica de Luís Buñuel. O trailer é delicioso (sobretudo para quem conhece a vida e obra de Buñuel):

Música velha para geração nova?


aqui tinha chamado a atenção para o facto de haver uma tendência jornalística, nos últimos tempos, das revistas de música terem na capa figuras musicais de décadas passadas. Algumas já há muito desaparecidas, como os Queen. A única revista de música nacional, a Blitz, tinha na capa do número de Outubro os Beatles e volta a colocar na capa da edição de Novembro, uma banda em actividade há 30 anos: AC/DC. Não que eu tenha alguma coisa contra os dinossauros do rock internacional (já tenho contra fenómenos revivalistas e por acaso odeio os AC/DC), a questão é saber que fenómeno é este em que as revistas optam por recuperar velhas lendas musicais em detrimento dos novos valores (à excepção de Amy Winehouse, que já foi capa da Blitz duas ou três vezes). São opções editoriais legítimas, é certo, mas estarão os leitores da imprensa musical (passa-se o mesmo com a imprensa estrangeira) assim tão velhos? Ou é para dizer às novas gerações: "reparem, estas bandas com 30 ou 40 anos é que continuam a dar cartas hoje!".

A ministra (nazi) da educação

Skellington cantado por Marilyn Manson

Para quem não sabe, Marilyn Manson fez uma versão do tema "This is Halloween", que serve de abertura do filme "O Estranho Mundo de Jack" de Tim Burton. Sou tudo menos admirador da obra de Manson, mas acabo por reconhecer que o seu universo gótico e barroco se coaduna muito bem com o espírito do filme. A versão é mesmo soberba. De resto, foi o próprio Danny Elfman (compositor original da banda sonora) quem propôs à Disney o nome de Manson para fazer a versão do tema. Claro que a Disney levou algum tempo a concordar com a ousada proposta. Mais propriamente... 5 anos (Elfman explica o processo aqui)!

terça-feira, 28 de outubro de 2008

A tartaruga musical


É mais completo do que o Last.FM. O motor de busca musical MixTurtle permite ouvir as músicas dos nossos artistas preferidos, desde o panorama mais mainstream até ao mais underground. Não se pode efectuar downloads, mas é suficientemente eficiente para pesquisar uma nova banda ou ouvir, quase instantaneamente, as músicas anexadas a um músico ou banda. E permite ainda efectuar infindáveis listas de preferências musicais. Link.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Um coração (bem) selvagem


Este é um dos casais mais fleumáticos e sensíveis do cinema das últimas duas décadas: Sailor e Lula, interpretados por Nicholas Cage e Laura Dern, respectivamente. São personagens envoltas num fogo incandescente de paixão, amor e loucura no filme "Wild at Heart/Um Coração Selvagem" (1990) de David Lynch. Um casal à beira do abismo numa alucinogénica aventura em forma de "road movie". Quando estreou no cinema, vi-o duas vezes seguidas para sentir toda a intensidade de cada imagem, de cada som (o fósforo a arder com a intensidade de um tufão!), de cada diálogo - e raramente Lynch filmou diálogos tão brilhantes como neste filme. Nicholas Cage e o seu casaco de pele de cobra ("este casaco representa a minha crença na individualidade e na liberdade!"), Willem Dafoe como o anjo negro Bobby Peru e a música vibrante durante todo o filme - salta do heavy-metal para o jazz, do rock 'n'roll para a clássica. Sem esquecer Elvis Presley e a memorável canção final "Love me Tender" dedicada a Lula.
E a violência. A violência que brota do momento mais inesperado e insuspeito. Uma violência insana, como nos habituou Lynch em tantos outros filmes. Basta ver os dois primeiros minutos de "Um Coração Selvagem". Em pouco mais de 138 segundos, logo após o final do genérico, o realizador expõe todo um programa de violência visual que incomodou tanta gente à altura da estreia. E veja-se (ouça-se) como Lynch transforma o ambiente inicial que se julga pacífico e inconsequente (com um clássico do jazz de fundo), para uma cena de terrível brutalidade ao som de uma banda de heavy metal. É Lynch em estado puro e duro:

Pitchfork em livro



O livro tem o longo título de "The Pitchfork 500: Our Guide to the Greatest Songs from Punk to the Present", e representa uma listagem das 500 melhores canções das últimas três décadas, abarcando quase todas as áreas musicais contemporâneas: metal, jazz, electrónica, indie pop, rock, improvisada, experimental, etc. E resulta na transposição do site Pitchfork para formato de papel, site (ou portal, melhor dizendo) de referência na crítica musical na internet, com tanta influência no panorama musical internacional quanto a revista The Wire. Uma excelente notícia para quem costuma acompanhar o site, uma vez que a qualidade do jornalismo musical praticado pela Pitchfork é acima de qualquer suspeita e digno de registo qualquer que seja a área musical comentada.
O livro vai estar disponível a partir de 11 de Novembro mas já se pode reservar aqui.

domingo, 26 de outubro de 2008

A música num conceito comercial diferente



A música nas lojas comerciais é quase sempre utilizada de forma absolutamente aleatória e sem critério (ou seja: a metro). Entra-se numa loja de roupa de marca e o que se ouve, invariavelmente, é música tecno em alto volume. Entra-se numa loja de decoração e a experiência é a mesma. Isto quando não existe um LCD pregado à parede a debitar incessantemente videoclips da MTV. Já me aconteceu sair de uma loja por não aguentar a música (o volume ou o estilo), como na Worten e na Electric Co. do Feira Nova (nesta última costuma passar em altos berros música pimba, fenómeno que afugenta muita clientela).
Apesar da música ser passada nas lojas comerciais sem quaisquer critérios (sejam eles quais forem), há ainda algumas excepções. É o caso da loja Natura, especializada em artesanato do mundo. Em qualquer centro comercial há, habitualmente, uma loja Natura (conhecida também por ter um urso em tamanho real à porta). O cliente sabe que esta loja é especial e diferente de qualquer outra. A decoração do espaço, os agradáveis aromas do ar (devido às fragrâncias e velas que a loja vende), a cor e a iluminação e, sobretudo, a música, ajudam a criar um conceito de identidade comercial muito próprio. Os técnicos de comunicação e marketing souberam trabalhar a imagem desta loja, porque todos os pormenores são importantes. Mas eu queria realçar a importância que a música desempenha para o espírito da Natura: sempre que entro numa destas lojas a música que se ouve é sempre excelente e adaptada ao conceito da loja. Como a Natura vende essencialmente produtos e objectos (decoração, roupa...) de raiz tradicional e étnica (a filosofia oriental é subjacente ao espírito da Natura), a música faz jus a esse espírito. O cliente frui todos os estímulos, visuais, olfactivos e auditivos (vivemos o apogeu do chamado "neuromarketing"), pelo que os responsáveis da Natura sabem que todos os elementos são importantes para cativar o cliente. Daí que a música que se ouve na Natura - e num registo de volume sempre adequado ao espaço físico - é a música referente a múltiplos estilos de música do mundo, designadamente, do Médio Oriente, da Ásia e de África. Outras vezes ouve-se a fusão dessas músicas étnicas com electrónica e pop.
Outra ideia interessante: a loja coloca sempre em cima do balcão o CD que está no momento a tocar, disponibilizando-o ao cliente caso o queira consultar. Foi o que fiz. Muito agradado com a música que estava a ouvir e que desconhecia, dirigi-me ao balcão e solicitei o CD. E assim fiquei a conhecer um músico que de outra forma, provavelmente, não conheceria noutras circunstâncias (uma vertente que se diria didáctica): Issa Bagayogo, músico e tocador de Kora (herdeiro do grande Toumani Diabate). Aliás, no site da Natura (acima linkado), encontra-se disponível a criteriosa selecção musical que passa nas lojas de todo o mundo.
A loja natura é um oasis nas lojas comerciais que proliferam, de forma indistinta, nas catedrais do consumo. Uma loja que defende uma identidade, um conceito e uma filosofia de vida (com preocupações ambientais e ecológicas) como o interessantíssimo movimento slow.
PS - Não tenho comissão na promoção desta loja comercial.

As mulheres artistas


No panorama das artes sempre existiu uma discrepância entre a visibilidade dada à criação artística feminina e à masculina, com especial predomínio desta última. Apesar desse domínio do homem nas artes plásticas, a verdade é que a mulher também teve (tem) um importante contributo na afirmação de uma sensibildiade estética muito própria (não conotar com feminismos, ainda que haja artistas feministas, como é o caso da artista que ilustra este post), contribuição que ajudou na evolução estética das linguagens artísticas ao longo do século XX e XXI.
A prova da importância da mulher no campo artístico está agora patente numa edição preciosa da Taschen - "Mulheres Artistas nos Séculos XX e XXI", à venda na livraria Bertrand. Um volumoso livro com mais de 400 páginas e centenas de ilustrações de obras artísticas de muitas mulheres artistas. Obras essas que abarcam, praticamente, todas as linguagens artísticas da contemporaneidade - artes plásticas, videoarte, multimédia, instalação, etc.
Na imagem: a artista suiça Sylvie Fleury

Díptico - 36


"Joy Division" - Grant Gee e "Control" - Anton Corbijn

sábado, 25 de outubro de 2008

Eu também acho


No meu tempo não havia desta Religião e Moral

Há uns tempos escrevi que o cinema tem grande potencial educativo. Mas tem, da mesma forma, potencial deseducativo. Basta que os professores não saibam utilizar o cinema da melhor forma em determinado contexto. Daí que não seja de admirar que tenha rebentado o escândalo numa escola da Figueira da Foz por causa disto.
Compreende-se. Segundo o Conselho Executivo, "o professor pretendia motivar os alunos para alguns temas que fazem parte dos conteúdos da disciplina de Religião e Moral". Gostava de conhecer esses conteúdos. É que não estou a ver a relação dos conteúdos de uma disciplina como Religião e Moral com o filme brutal "Kids" de Larry Clark. Ou por outra, ver até vejo, mas não acredito que fosse o filme certo para exemplificar esses mesmos conteúdos. Quem conhece o filme sabe que se trata de um filme com cenas explícitas de violência sexual, psicológica e física entre adolescentes com tendências delinquentes e marginais. Aliás, toda a filmografia deste cineasta reflecte os problemas de uma juventude violenta e rebelde, isenta de valores, à deriva da sociedade, com ímpetos criminosos e de descoberta desenfreada do sexo. E esta abordagem é também bem patente nos seus outros filmes como "Ken Park" (2002) ou "Wassup Rockers" (2005). Nem sei como é que o professor da tal escola (será um padre sexualmente reprimido?) não passou logo estes dois filmes, Verificação ortográficaporque constituem a trilogia perfeita dentro do tema. Que outros filmes farão parte do brilhante cardápio do professor de Religião e Moral? "Saló"?; "Shortbus"?; "Irreversível"?...
Não está em causa a qualidade cinematográfica do filme "Kids" e da sua louvável capacidade de levantar questões pertinentes sobre os devaneios da juventude actual. O que está em causa é que o professor mostrou o filme a adolescentes (9ºano, 13, 14 anos) quando na maior parte dos países é interdito a menores de 17/18 anos. E a classificação etária é um critério que deve ser respeitado. Mesmo que o professor fosse um excelente pedagogo e comunicador ao ponto de conseguir descodificar a densa mensagem do filme, aqueles alunos não têm ainda a maturidade intelectual e a preparação emocional para assimilar uma película tão forte e brutal. Para quem deve estar habituado a ver filmes imberbes como o "Harry Potter" ou "Homem-Aranha", imagino o choque daquelas cabecinhas após o visionamento de "Kids". Haveria milhentos de outros filmes, sem recurso a violência gráfica e explícita, para mostrar os famigerados conteúdos disciplinares de Religião e Moral. Ainda para mais, mostrar um filme como "Kids" que é completamente amoral e que não assume juízos de valor sobre os actos cometidos pelos jovens, é querer queimar-se com o fogo que a própria mão ateou. Não havia necessidade...

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Peter Saville



O trabalho do génio criativo de Peter Saville, o magnífico designer gráfico responsável pelas capas dos discos dos Joy Division, New Order, Pulp e Suede, está neste site. E atenção que o design do site tem a mesma qualidade gráfica que as suas criações de capas de discos.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

A mesma fotografia (anos depois)





Estas quatro sequências de fotografias fazem parte de um projecto fotográfico nascido nos Estados Unidos denominado Colorwars 2008. A ideia é muito simples: qualquer pessoa escolhe uma fotografia sua de infância ou de adolescência e repete-a nos dias de hoje, tentando imitar, o mais possível, o momento da fotografia original - cenário, roupa, expressão, cor e local. Não será preciso dizer que não é válido utilizar truques de photoshop. O resultado acaba por ser interessante pela forma como se comparam as imagens separadas por (muitos) anos, o que remete também para uma reflexão sobre a angústia da passagem do tempo - pensamento recorrente quando revemos as nossas próprias fotografias antigas.
Há milhares de fotografias deste tipo no site, algumas sem cuidado nenhum na reprodução da foto original. Mas muitas outras fotografias parecem autênticos decalques da foto tirada muitos anos no passado, pela forma como está encenada e produzida actualmente. Os princípios básicos subjacentes ao projecto "Colourwars 2008" provam que a fotografia pode ser divertida, despretensiosa e criativa sem recurso a sofisticados tratamentos digitais. Qualquer pessoa pode submeter as suas fotos no projecto, necessitando apenas de um rápido registo. Ver o site aqui.

PS - a revista Sábado publica uma reportagem com o mesmo espírito do projecto Colorwars mas associado a figuras públicas (cantores, músicos e políticos).

Surpresa radiofónica... efémera


Como já disse uma vez, acho a rádio portuguesa pavorosa, salvo raríssimas excepções. Música a metro, comercial, programação formatada e sem novidades que motivem entusiasmo. Por isso ando sempre com a rádio sintonizada na Rádio 3 espanhola, enquanto ando de carro, por ser muito mais original, mais vocacionada para programas de autor. Mas ontem tive uma agradável surpresa quando, ao sintonizar a Antena 3, ouvi uma música do grupo sueco Hedningarna! Era do disco "Hippjokk" (1997), um dos grandes discos dos anos 90, a par, de resto, com quase toda a restante discografia do grupo que ousou fundir as sonoridades tradicionais nórdicas com uma sensibilidade electrónica contemporânea. Pensei que se tratava de um programa alternativo de fim da tarde (se a rádio fosse sempre feita destas surpresas...). Mas não, foi um momento efémero. Logo a seguir voltaram as cançonetas pop triviais e previsíveis das playlists e voltei a sintonizar a estação espanhola.

A diferença


"Todo o homem (escritor) que é original é diferente. Mas nem todo o que é diferente é original. A originalidade vem de dentro para fora. A diferença é ao contrário. A diferença vê-se, a originalidade sente-se. Assim, uma é fácil e a outra é difícil".
Vergílio Ferreira

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

BD e leitura


Nunca fui um leitor compulsivo de BD. Mas houve uma fase da minha adolescência que lia quase tudo do Hugo Pratt, Lucky Luke, Tintim, Asterix, os super-heróis da Marvel, Quino, Enki Bilal, Stan Lee, Moebius, Milo Manara, entre outros. Tinha amigos obcecados em BD que gastavam toda a mesada nas últimas novidades, desde os álbuns mais comerciais até aos mais experimentais (graficamente ou em termos de conteúdo). Apesar de ter sido apenas leitor de BD durante um determinado período da minha vida, considero que foi um belíssimo exercício de leitura e de abertura de novos imaginários. A nona arte tem essa extraordinária capacidade de criar universos de grande envolvimento imagético. Daí que seja uma excelente iniciativa a de organizar um seminário que reflicta sobre as potencialidades da BD como instrumento de incentivo e desenvolvimento da leitura.
Segundo o Diário Digital, a Bedeteca de Lisboa vai organizar um seminário internacional para discutir a relação entre a banda desenhada e a promoção da leitura nas bibliotecas municipais. O painel de temas é deveras interessante e permitirá, de certeza, compreender melhor de que forma a leitura e a BD estão interligadas e quais as melhores estratégias de relacionamento entre bibliotecas e a nona arte.

Huxley sob o olhar de Scott


Durante uns meses foi um mero rumor. Agora parece que é oficial: Ridley Scott, o realizador de um dos mais significativos filmes de ficção científica de sempre - "Blade Runner" (1982) com base no livro homónimo de Philip K. Dick, vai adaptar para cinema outro clássico da literatura futurista - "O Admirável Mundo Novo" de Aldous Huxley. O cineasta revelou que foi Leonardo DiCaprio quem desafiou Scott a avançar com esta arriscada adaptação cinematográfica. O realizador de "Alien" e "O Gladiador" revelou que é um projecto ainda embrionário e de difícil adaptação, dada a complexidade da obra de Huxley.
Não admira esta apreensão do realizador, uma vez que "O Admirável Mundo Novo", livro originalmente editado em 1932, antecipou uma série de desenvolvimentos tecnológicos e sociais que são realidade presente, como a inseminação artificial, a neurolinguística, o predomínio da tecnologia sobre o conhecimento, a eutanásia, a prevalência do colectivo em detrimento do individual, o crescimento desumanizado do progresso científico e material, ou o poder do estado de pendor totalitário disfarçado de democracia. Huxley ficou famoso por essa criação de uma espécie de sociedade distópica, caracterizada por um regime opressivo, controlador e autoritário que elimina a identidade individual em prol de um suposto "bem colectivo". Um mundo altamente perigoso e distorcido, no qual valores como família, arte, ciência, liberdade ou cultura, são suprimidos em nome de um ideal comum propagandeado pelo estado controlador.
Lembro-me que li primeiro "1984" de Goerge Orwell e só depois li a obra de Huxley (que tem o segundo capítulo - "O Regresso ao Admirável Mundo Novo", menos interessante) e senti, em ambos autores, fortes conexões na crítica social e no modo de interpretar o mundo através da sátira política e de um fortíssimo sentido de antecipação histórica.
Agora que Ridley Scott vai adaptar um dos livros de ficção científica fundamentais da primeira metade do século XX, fica a pergunta: conseguirá o realizador perturbar-nos com esta adaptação cinematográfica com a mesma eloquência formal e estética com que o fez com "Blade Runner"?


terça-feira, 21 de outubro de 2008

Heavy Metal no... Iraque


Têm como inspiração bandas de metal como Slipknot, Slayer e Metallica, tocam desde 2001 e dão pelo nome de Acrassicauda (Black Scorpion). Podia ser a introdução para um texto sobre uma banda de heavy-metal de um grupo de miúdos dos subúrbios de uma grande cidade ocidental. Mas acontece que Acrassicauda é a única banda de heavy metal de... Bagdade. Foi apenas depois da queda de Saddam Hussein que os Acrassicauda começaram a conseguir mostrar o seu valor na difícil arte de tocar heavy metal num país culturalmente ultra-conservador e de raiz muçulmana. Com o fim do antigo regime iraquiano, a banda ainda pensou ser possível mostrar a sua música sem represálias e num ambiente de mínima tolerância. Acontece que rebentou a guerra, eclodiu o clima de terror com os atentados, a presença ameaçadora das tropas americanas e o medo solto nas ruas, factos que dificultaram ainda mais a sobrevivência da banda. Mas o sonho dos jovens músicos iraquianos manteve-se de pé, enfrentado ameaças de morte e condenações dos fundamentalistas religiosos.
O documentário "Heavy Metal in Baghdad" é o resultado desse percurso musical de abnegação e de dedicação total à causa da música. É a história da resistência e da preserverança contra dogmas morais e adversidades sociais numa capital a saque. Com realização de Eddy Moretti e de Suroosh Alvi e com produção executiva - pasme-se - do realizador de culto Spike Jonze, "Heavy Metal in Baghdad" foi seleccionado para o Festival de Cinema de Toronto e vai exibir-se em Barcelona na 6ª edição do muito interessante festival de Documentários Musicais InEdit Beefeater 2008.
Num estudo recente afirmava-se que os amantes de heavy metal eram pessoas sensíveis e delicadas (apesar das aparências). Acrassicauda pode muito bem ter sido a resposta destes jovens à brutalidade e à violência perpretados em Bagdade.


Pedro Costa em edição estrangeira


Que eu tenha conhecimento, apenas existe uma edição em DVD dos filmes de Pedro Costa ("Casa de Lava"). Deste realizador tão amado quanto odiado, eu tenho somente uma cassete VHS com o filme "O Sangue" editado pela Costa do Castelo. Por isso soltei um "ah" de espanto quando dei de caras com uma caixa de DVD de filmes do realizador espanhol mas numa edição... espanhola! Chama-se "Cofre Pedro Costa" (Caixa/Pack Pedro Costa) e conta com os dois principais filmes do realizador: "No Quarto da Vanda" e "Juventude em Marcha". A edição conta ainda com mais dois discos: o documentário "Onde Jaz o Teu Sorriso" que o cineasta filmou sobre o casal de realizadores Danièle Huillet e Jean-Marie Straub; e ainda um documentário realizado por Aurélien Gerbault sobre o processo de filmagem de Costa no Bairro das Fontainhas em Lisboa. A edição parece ser de muito boa qualidade e de reconhecido interesse cinéfilo. O problema é o preço exorbitante: 83,95€.
Ver aqui.

Discos que mudam uma vida - 33



Cocteau Twins - "Treasure" (1984)
ou este

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

"W." em horário nobre


Uma notícia sobre cinema a meio do Jornal da Noite (SIC)?! Pois foi o que aconteceu precisamente às 20h30 de hoje: o jornalista Rodrigues Guedes de Carvalho tinha acabado de noticiar qualquer coisa sobre a crise económica mundial quando apresentou uma peça sobre a estreia, em Portugal esta semana, do filme "W." de Oliver Stone. Claro que a conjuntura informativa internacional ajuda a esta inserção cinematográfica pelo meio do noticiário (eleições americanas, crise financeira), mas é um facto que não deixa de ser surpreendente. É que nós, os espectadores, mais ou menos cinéfilos, sempre estivemos habituados a ver notícias sobre filmes (mesmo os mais comerciais) como matéria informativa arredada lá para os confins dos alinhamentos das televisões (secção entretenimento).
Agora a propósito do filme, trata-se da terceira incursão directa de Oliver Stone na vida privada e política de presidentes da América, depois de dois sublimes filmes sobre John F. Kennedy e Richard Nixon. As críticas devastadoras que Stone faz à administração de George W. Bush têm embaraçado alguns poderes instituídos, e não apenas o norte-americano, uma vez que até o italiano Silvio Berlusconi reagiu ao filme proibindo-o de exibição no recente Festival de Cinema de Roma - Berlusconi "vetou" a abertura do festival com o filme de Stone. Manifestações interessantes de democracia, portanto.
Ao que parece, Josh Brolin, magnífico actor que se revelou em "No Country For Old Man" e "American Gangster", tem uma excelente performance em "W." na pele de George Bush. Curioso é saber que a primeira escolha de Oliver Stone para interpretar Bush foi o actor Christian Bale, que recentemente encarnou Batman. Terá Stone vislumbrado alguma analogia metafórica entre as duas figuras?

Díptico - 35


"Goodbye 20th Century: A Biography of Sonic Youth" - David Browne
"Psychic Confusion: The Sonic Youth Story" - Steve Chick

Tomar atalhos


"Aquilo a que a terminologia romântica chama génio ou inspiração não é mais do que encontrar empiricamente o caminho, seguir o próprio olfacto, tomar atalhos."
Italo Calvino

Dia Mundial da Osteoporose

Há que manter os ossos saudáveis, como estes:

domingo, 19 de outubro de 2008

Lobster e Mikado Lab



Não vi todos os programas "KM 0" da RTP2 sobre os novos valores da música portuguesa, mas os que vi raramente me chamaram a atenção pelos grupos focados. Isto porque, no meu ponto de vista, a maior parte não tinham criatividade ou originalidade que merecesse muita atenção. No último programa, sábado passado, foram objecto de tempo de antena dois projectos muito interessantes e com capital criativo pouco comum em Portugal (cada um com coordenadas musicais muito distintas): Lobster e Mikado Lab. Os Lobster são um possante duo de guitarra eléctrica e bateria que vão buscar inspiração no rock mais noisy dos anos mais recentes (The Locust, Lightning Bolt, Sightings). Um extraordinário projecto de rock vibrante e enérgico, podendo-se constatar esta ideia ouvindo o seu magnífico álbum "Sexually Transmitted Electricity" editado pela Bor Land em 2007, ou vê-los actuar ao vivo (vi-os uma vez num grande concerto).
A outra novidade vem de franjas estéticas muito distintas: Mikado Lab é um projecto do baterista Marco Franco, multinstrumentista com um vasto currículo no âmbito da música improvisada, jazz e experimental; Ana Araújo (fender Rhodes e laptop), e Pedro Gonçalves (baixo eléctrico, também dos Dead Combo). O disco único dos grupo, "Baligo", teve já honrosas críticas especializadas. Os Mikado Lab fazem uma interessante fusão de jazz, improvisação, melodias infantis, experimentalismo e devaneios vários, num projecto que assume claramente um lugar vazio no panorama musical nacional. Para ouvir música e ver vídeos do grupo, carregar aqui.

Televisão - a droga da nação

One nation under God
has turned into
one nation
under the influence
of one drug:
Television,
the drug of the Nation
Breeding ignorance and feeding radiation


Disposable Heroes of Hiphoprisy

sábado, 18 de outubro de 2008

Ed Wood - a homenagem de Tim Burton


Acabei de rever em DVD o filme Ed Wood (1994) de Tim Burton, sobre o alegado “pior realizador do mundo”, Edward Wood Jr. É, seguramente, o filme mais pessoal de Tim Burton e do actor Johnny Depp. Só Burton, fruto do seu imaginário polvilhado de cinema série B, de ficção científica e de figuras de culto, se podia ter lembrado de fazer um “bio-pic” de Ed Wood. Um realizador que manteve sempre uma profunda paixão pelo cinema, mas cujo talento e engenho artístico estavam longe dos parâmetros minimamente exigíveis. As enormes dificuldades financeiras e obstáculos de produção que Ed Wood enfrentou para fazer os seus filmes de ficção científica à mistura com travestis e personagens bizarras, não foram suficientes para o demover de seguir em frente ao ponto de se comparar com... Orson Welles! Ed Wood tinha uma profunda admiração por Orson Welles e durante o filme o autor deCitizen Kane aparece várias vezes citado. A este respeito, há um dialogo delicioso no filme de Tim Burton em que Ed Wood conhece uma mulher que lhe pergunta:
- O senhor o que faz?
- Trabalho no cinema: sou realizador, actor, argumentista e produtor.
- Ora, ninguém faz isso tudo!
- Oh sim, só duas pessoas: Orson Welles e eu!

Filmado numa esplendorosa fotografia a preto e branco (uma homenagem à estética visual dos filmes dos anos 50) e com uma realização irrepreensível de Burton, Ed Wood é interpretado por um inexcedível Johnny Depp, que recria na perfeição a personalidade conturbada, excêntrica e megalomaníaca de Ed Wood. Depois, há uma fabuloso Martin Landau que encarna o mítico Bela Lugosi, actor húngaro que teve uma carreira de sucesso em Hollywood interpretando Dracula (Martin ganhou o Oscar de Melhor Actor por esta interpretação) e muitos filmes de terror de segunda categoria. Ed Wood e Bela Lugosi formaram uma dupla inseparável até à morte deste último. Tim Burton presta uma sentida homenagem a este realizador que se julgava à altura de Orson Welles, mas que era um amador com uma visão muito própria da criação cinematográfica. Última referência para a musica original de “Ed Wood”. Dado que à altura da feitura do filme, Tim Burton e o seu colaborador musical habitual Danny Elfman estavam zangados, Burton contratou o compositor Howard Shore (colaborador de David Cronenberg) e o resultado é sublime, numa espécie de revisitação da musica que Henry Mancini fez para o filme “A Sede do Mal” de Orson Welles – jazz, pop e clássica e o instrumento Theremin numa ebulição sonora que pontua brilhantemente as imagens, logo a partir do genérico do filme. De resto, o genérico de “Ed Wood” é quase meio filme, manifesto exercício de estilo à Welles. Repare-se no movimento de câmara (plano sequência contínuo) que filma as lápides onde estão inscritos os nomes dos actores, até chegar aos céus de Hollywood e parar na rua onde se encontra Ed Wood, clara piscadela de olho ao famoso longo plano sequência que abre “A Sede do Mal” de Welles. Aliás, só os custos do genérico do filme de Burton foram mais elevados do que todos os filmes juntos realizados por Ed Wood! Seja como for, de tão mau realizador, Ed Wood passou para figura de culto, sobretudo com os seus dois filmes mais, digamos, “importantes”: “Glen or Glenda(1953) e Plan 9 From Outer Space(1959).


sexta-feira, 17 de outubro de 2008

A nova estrela de Soderbergh

António Pedro Vasconcelos escolheu Soraia Chaves para protagonizar o filme "Call Girl". O realizador Steven Soderbergh também vai fazer um filme sobre uma mulher fatal da indústria do sexo, mas não faz a coisa por menos e, para interpretar o seu próximo filme intitulado "The Girlfriend Experience", contratou a actriz porno mais badalada do momento - uma tal Sasha Grey. A jovem de 20 anos, estrela porno desde os 18, diz estar muito entusiasmada para criar uma Call Girl no filme de Soderbergh, cineasta que muito admira. Aliás, as preferências cinematográficas da jovem não são nada desprezíveis: Jean-Luc Godard e Bernardo Bertolucci. Diz ainda ser uma adepta da filosofia existencialista e faz parte de um projecto que junta arte transgressora com música experimental chamado Telecine. Uma intelectual porno, está bem de ver. Ah, já agora, como pergaminhos artístico de Sasha Grey, convém dizer que ganhou este ano o AVN Award For Female Performer and Best Oral Sex Scene of the Year”. Crédito firmados, portanto.  Veremos para o ano que filme vai Soderbergh fazer com todo este potencial...

Os pobres, segundo Buñuel

Hoje é o Dia Mundial da Pobreza. Há 900 milhões de pobres em todo o mundo que vivem com privações inimagináveis todos os dias. E sempre que se fala em pobreza, lembro-me das suas formas de representação no cinema, cujo principal retratista terá sido Luís Buñuel (uma vez mais falo dele). O realizador espanhol explica na sua autobiografia que em vez de sentir comiseração e pena pelos indigentes e excluídos da sociedade (como é o sentimento geral de qualquer cidadão), Buñuel manifestava profundo sentimento de respeito e de dignidade para com os mais necessitados. Em muitos dos seus filmes, vemos personagens que eram autênticos marginais sociais, pedintes, vagabundos, meliantes, cegos (muitos cegos). Em contrapartida, Buñuel apontava o dedo crítico à classe burguesa e ao clero,  que eram consideradas as mais degradantes e iníquas da sociedade.Há especialmente dois filmes chave em que os pobres e marginais são elementos fundamentais no cinema buñueliano: o documentário “Las Hurdes, Tierra Sin Pan” (1933), que Buñuel realizou logo a seguir aos escandalosos e surrealistas “Un Chien Andalou” (1928) e “L’Age D’Or” (1930). As Hurdes situam-se numa região montanhosa e inóspita na fronteira de Espanha com Portugal, uma região de tal forma atrasada no tempo que os habitantes ainda viviam de modo quase medieval. Pela forma poética e até surrealista como Buñuel retratou este povo esquecido, o filme “Las Hurdes, Tierra Sin Pan” foi proibido durante décadas, porque segundo as autoridades, denegria a imagem de Espanha. 

Mais tarde, no México, Luís Buñuel realizou o filme “Los Olvidados” (1950), verdadeira obra-prima do cinema. Neste filme, Buñuel contratou jovens indigentes e delinquentes dos subúrbios da cidade do México, fazendo uma verdadeira análise social de uma franja da sociedade altamente carenciada em todos os aspectos. Um outro filme que explora a dimensão humana dos mendigos e vagabundos do mundo: “Viridiana” (vencedor da Palma de Ouro em Cannes 1961), espantoso drama no qual estes excluídos da sociedade desempenham um papel predominante numa espécie de análise seca e fria da natureza humana, com a religião como centro de todas as divagações morais. É neste filme de Buñuel que surge a célebre e polémica representação da última ceia de Cristo com os pobres à mesa que era “propriedade” da alta burguesia. O olhar cirúrgico e crítico de Buñuel sobre a sociedade em que vivia faz falta aos governantes de hoje. Por isso o cinema deste cineasta espanhol foi sempre tão incómodo para as autoridades, pelo seu carácter social altamente denunciador, pela sua visão libertária do mundo, pela sua crítica face às desigualdades sociais e aos valores pasteurizados da burguesia e das suas frivolidades. E Buñuel não abordava apenas a pobreza material como matéria de análise; criticava também a pobreza de espírito das instituições e da classe dominante. Pobrezas há muitas, de facto...

Na imagem, "Las Hurdes".

  

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Díptico - 34


Stan Laurel e Oliver Hardy + Dean Martin e Jerry Lewis

O fatídico "Clube 27"



É um fenómeno recorrente os ícones da cultura popular serem imortalizados quando morrem. Mesmo que sejam famosos e talentosos em vida, se morrerem jovens e, sobretudo, de causa trágica e misteriosa (suicídio, acidente, homicídio), é certo e sabido que se tornam ícones eternos no imaginário popular. O fenómeno só podia ter começado com uma arte de massas: o cinema. Rudolfo Valentino, primeiro ídolo do cinema mudo morreu aos 31 anos em 1926 e deixou em total histeria milhões de admiradoras (conta-se que várias mulheres cometeram suicídio devido ao desespero). Depois, foi James Dean que morreu vítima de um acidente de carro com 24 precoces anos, em 1955, imortalizando a sua figura como referência incontornável da cultura do século XX. De resto, foi com Dean que se incutiu no imaginário das estrelas pop a máxima : "live fast, die young and leave a good-looking corpse". Muitos levaram à risca esta filosofia de vida.
Mas seria a partir de 1969 que a morte de artistas famosos - nomeadamente músicos - tomaria um rumo verdadeiramente iconográfico. Começou em 1960 com a morte de Brian Jones (Rolling Stones), seguiu-se a morte de Jimi Hendrix e Janis Joplin em 1970. O líder carismático dos The Doors, Jim Morrison, morreria em circunstâncias misteriosas um ano depois. Este quarteto de mortes foi apelidado de "Clube 27" (nas imagens), pelo facto de todas estas figuras da música terem morrido com a idade de 27 anos. Mera coincidência?
Conta-se que foi um desejo mórbido de se juntar a este clube que o líder dos Nirvana, Kurt Cobain, se matou em 1994, também com 27 anos. Que insondável e misterioso desígnio se esconde por detrás deste fenómeno que leva à morte artistas populares como estes aos 27 anos? Apesar deste ser o quinteto mais famoso deste fatídico e mórbido clube, muitos outros artista/músicos se podiam incluir no rol dos falecidos com 27 anos. A saber:

- Pete de Freitas, guitarrista dos Echo and The Bunnymen
- Robert Johnson, guitarrista de blues
- Dave Alexander, baixista dos The Stooges
- Gary Thain, baixista dos Uriah Heep
- Kristen Pfaff, baixista das Hole
- Jeremy Michael Ward, músico dos The Mars Volta
- Mia Zapata, vocalista do grupo punk The Gits
- Ron McKernan, teclista dos Grateful Dead
- D. Boon, vocalsita do grupo punk Minutemen
- Rupert Brooke, poeta inglês
- Jean-Michel Basquiat, artista plástico
- Jonathan Gregory Brandis, actor americano
- (...)

Ian Curtis não quis esperar para entrar no "Clube 27" e, 4 anos antes de chegar a essa idade, cometeu suicídio. Mesmo não havendo nenhum "Clube 23" no qual pudesse estar representado, não é por este facto que o espírito do cantor dos Joy Division não vive no panteão mais alto dos ícones musicais de toda a história.