terça-feira, 22 de julho de 2008

Decibéis nos ouvidos


Há uns dias entrei num elevador com um jovem que ouvia música com auscultadores (leitor de mp3). Pelo silêncio proporcionado pelo hermetismo acústico do elevador, conseguia ouvir o que o jovem ouvia. Qualquer coisa de música rock. Fosse o que fosse, apercebi-me que o volume de som estava altíssimo. Decibéis a mais, portanto. O dito jovem não conseguiria ouvir um trovão a dois metros, dado o volume exagerado do que estava a ouvir. Estudos científicos recorrentes comprovam a relação entre a perda de audição progressiva (até 70%) com a utilização desproporcionada de volumes de som nos auscultadores. Os jovens (e menos jovens) só se apercebem desta perda de audição tarde demais.
Cada vez mais os jovens ouvem música em todas as circunstâncias e mais alguma: na rua, a andar de bicicleta, nos consultórios médicos, nas salas de aula, na igreja, em espectáculos de música, em qualquer lugar e em qualquer momento. Já acontecia nos tempos do "Discman"? Talvez, mas nunca nesta dimensão massiva e com este carácter generalista. A portabilidade dos equipamentos de som (leitores cada vez mais pequenos e poderosos), aliado ao inerente fenómeno de moda representado pela cultura iPod, são factores que ajudam à massificação dos leitores de mp3.
Os tempos mudaram drasticamente, já não existem grupos de jovens que se juntam no isolamento de um quarto para, em conjunto, ouvirem um disco, desfrutando do momento colectivo da descoberta musical. Muito menos existe o culto da iconografia relacionada com os suportes dos CD (capas, contracapas, conteúdo informativo...). O que existe agora é o consumo musical cada vez mais individualista e solipsista, ao ponto de vários jovens poderem estar na mesma sala a ouvir músicas diferentes, sem comunicação. É mais democrático e acessível, é mais fashion e mais de acordo com as regras da cultura pop, mas neste fenómeno de fruição perdem-se vivências e perde-se o prazer da partilha em comum. Para cada nova geração, novas fórmulas de fruição musical. Até ao dia em que essas gerações só conheçam o mundo virtual onde a desmaterialização da música impera. Para o bem e para o mal.

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