quinta-feira, 26 de junho de 2008

Dois românticos resistentes


Longe vão os tempos em que o espaço da publicidade televisiva servia, não só como veículo promocional de produtos comerciais, como também de produtos culturais: CDs, filmes em estreia no cinema e até livros. Os tempos mudaram, os métodos de promoção dos discos são outros e com o advento maciço e global da Internet, já não faz mais sentido gastar dinheiro na televisão para promover um CD ou um filme. Certo? Nem tanto. Hoje de manhã, num intervalo publicitário da televisão, vi dois anúncios que promoviam o lançamento de CDs: um "best of" (mais um) de Marco Paulo e um "best of" (mais um) de Richard Clayderman. Percebo a intenção: os admiradores inveterados de Marco Paulo são de uma geração que não têm familiaridade com a Internet e as novas formas de consumo cultural. Logo, faz sentido que a televisão seja ainda o meio de comunicação por excelência para chegar ao público-alvo pretendido. E os consumidores de Marco Paulo ainda compram os CDs na feira ou em lojas de discos (originais ou pirateados, isso é outra história).
O Richard Clayderman é um caso à parte. Não faço ideia quem possa comprar os seus discos. Clayderman representa tudo o que mais detesto num intérprete (basta ver as suas cândidas capas de disco comparáveis - em qualidade estética - às do português Eurico Cebolo): pose pirosa, olhar sedutor à macho ariano, visual pseudo-dandy, flores e castiçais em cima do piano num embrulho de romantismo saloio, e reportório de baladas comerciais (da pop ou da clássica). Se quisermos ser mais radicais, Clayderman insere-se numa tipologia cultural pimba, ainda que o seu reportório pretenda ser sério e de autores consagrados. Já vendeu mais de 60 milhões (!) de discos em todo o mundo e é tão respeitado quanto parodiado - lembremos a sátira que o Herman José fez de Richard Clayderman há uns bons anos num dos seus programas - "Richard Peyderman" - em que o intérprete tocava piano ao mesmo tempo que soltava... gases. Juro que nunca percebi como é que Richard Clayderman conseguiu criar, à volta de si, um verdadeiro fenómeno musical à escala planetária e durante tantos anos.
Os publicitários é que deverão ter mais conhecimento de como se processam estes fenómenos e quais as estratégias para os tornar cada vez mais mediáticos e populares. E sabem, com certeza, que apesar de vivermos num mundo da cultura digital onde o aparecimento e o desaparecimento de fenómenos culturais se processa a uma alta velocidade, há certos fenómenos que se enraízam fortemente no imaginário da opinião pública. Marco Paulo e Richard Clayderman (como tantos outros), fazem parte desse grupo de artistas resistentes à mudança e que, para sobreviverem no mundo em que se habituaram a ter sucesso, continuam a precisar da televisão para afirmarem a sua identidade no panorama artístico e para divulgarem os seus novos CDs.

4 comentários:

Anónimo disse...

Top 6 dos melhores pianistas do século XX:

1 Dinu Lipatti

2 Richard Clayderman

3 Glenn Gould

4 Liberace

5 Arturo Benedetti Michelangeli

6 Sviatoslav Richter

Unknown disse...

Sim, claro: o Clayderman à frente do Glenn Gold e do Richter...

Anónimo disse...

E o Cebolo à frente de Joyce, Proust, Kafka e Musil, essencialmente pela extraordinária qualidade dos títulos. Não tem rival.

::Andre:: disse...

Ah ah, belo texto :P