sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Woody Allen filósofo


Há uns tempos foi editado o livro "O Que Sócrates Diria a Woody Allen", um interessante livro que analisava as relações entre as questões universais da filosofia com o cinema - partindo precisamente da obra do cineasta de "Match Point". Agora sai para as bancas um livro cujo título resume tudo: "A Filosofia Segundo Woody Allen". Ou seja, filósofos e ensaístas pegaram na filmografia de Woody Allen e extrairam-lhe todos os ensinamentos filosóficos para uma análise e contextualização filosófica. Desde o início da sua carreira que Allen revela um especial interesse em dissecar os grandes enigmas da vida sob o ponto de vista filosófico (vida, morte, amor, religião, sexo, incomunicabilidade). A sua veia filosófica é a de um existencialista ateu, amaldiçoado pelas obsessões terrenas, dúvidas e temores, usando o humor como ferramenta cirúrgica para debelar o seu espírito atormentado. Nos seus filmes, sejam nas comédias, sejam nos dramas ditos sérios, perpassa sempre um "mal de vivre", uma busca incessante pelo sentido da vida num mundo que é, todo ele, imperfeito e cruel de A a Z. O pessimismo de Woody é militante e irreversível, como o de um Schopenhauer ou de um Cioran, mas no seu espírito pessimista reside muita da sua força criadora. O optimismo nos filmes de Woody Allen é fugaz, efémero como uma bola de sabão. Recordo uma cena de "Hanna e Suas Irmãs": o personagem interpretado por Allen pressente que tem cancro. Vai ao médico que lhe garante que nada tem. Sai do consultório a pular de contente porque está bem de saúde. De repente pára e o seu entusiasmo desvanece até ao abismo e volta ao estado de espírito depressivo. Pensa: "mas porque raio estou contente? Não estou doente agora mas vou acabar por morrer à mesma!" (cito de memória).
Na realidade, no filmes de Woody Allen (já para não falar dos seus livros), existem centenas de alusões a questões filosóficas, centenas de referências a escritores, pensadores, filósofos, poetas. Houve outros cineastas filósofos, como Bergman, Tarkovski, Wenders ou Dreyer, mas Woody Allen desenvolveu uma identidade única, uma sensibilidade que diz tanto aos pensadores mais especializados como ao cidadão comum. É esta característica - para além da sua linguagem trágico-cómica e do seu enorme talento criativo - que fazem de Woody Allen um dos poucos autores geniais do nosso tempo. A cultura de Woody é quase enciclopédica e demonstra-o em muitas das suas obras. Revela-o abordando as mais diversas questões; das terranas (sexo, literatura) às complexas (metafísica, religião). E dessa forma interpela o espectador, obrigando-o a uma auto-reflexão. Porque os problemas existenciais de Allen são, quer queiramos quer não, os mesmos que os nossos, vulgares terráqueos que um dia vão morrer sem ter percebido porque raios passaram por este mundo.

2 comentários:

Helena disse...

Acreditas que hoje falei dessa cena do Ana e suas irmãs?!...
Escreves muito bem sobre Allen, está tudo mesmo dito! É isso, e eu não o saberia dizer.
Mais uma vez obrigada por me fazeres acompanhada.
Beijos

Paulo disse...

Parabéns pelo blogue.
Há quem aproveite (no Infinito pessoal):
Ensaístas e filósofos profissionais grudaram-se na filmografia do realizador e extraíram-lhe os ensinamentos para uma contextualização filosófica. Desde o início da sua carreira que o cineasta revela um peculiar interesse em examinar os grandes enigmas da vida sob o ponto de vista filosófico (amor, incomunicabilidade, morte, religião, sexo, vida). A sua veia filosófica é a de um existencialista descrente, anatematizado pelas obsessões terrenas, interrogações e receios, empregando o humor como instrumento cirúrgico para expurgar o seu espírito martirizado e repleto de neuroses comportamentais. Nos seus filmes perpassa sempre uma busca incessante pelo sentido da vida num mundo que é defectivo e carrasco. O derrotismo é propagandista e irreversível, como o de um Schopenhauer, mas no seu espírito pessimista aloja muita da sua robustez criativa. O optimismo nos filmes de Woody Allen é momentâneo, fugaz como um punhado de areia. Lembro Hannah And Her Sisters em que a personagem interpretada por Woddy a dada altura obcecada pela ideia de ter uma doença maligna recorre ao clínico que lhe afiança de que de nada padece. Sai do consultório animado porque afinal até é saudável. De repente pára e o seu entusiasmo esvaece e regressa ao estado de espírito depressivo. Aflito discorre: "mas porque raio estou tranquilo? vou morrer na mesma!". Os seus filmes para além de conterem uma dose considerável de hipocondria, de uma crença de que padece de uma doença grave, dos medos irracionais da morte, às obsessões com sintomas ou defeitos físicos irrelevantes, preocupação e auto-observação constante do corpo, o assunto mais comentado é o sentido da vida onde habitam abundantes citações filosóficas, carradas de alusões a escritores, filósofos, pensadores, poetas. Outros realizadores filósofos existem mas este cineasta, escritor e actor desenvolveu uma identidade singular, uma sensibilidade que diz tanto às mentes experimentadas como ao cidadão comum. É esta característica - para além da sua linguagem trágico-cómica e do seu talento - que faz de Woody Allen um dos génios do nosso tempo. E dessa forma instiga o espectador a uma auto-reflexão. Porque os problemas existenciais de Allen são, quer queira quer não, os mesmos que os meus, vulgar terráqueo que um dia vou expirar sem ter entendido porque razão passei por este planeta.