quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Luiz Pacheco - paradoxo com duas pernas - 2


Provocador por natureza (não por snobismo estilístico), Luiz Pacheco soube como poucos espicaçar sem pudores o meio literário português, como quando diz que inventou o “Neo-Abjeccionismo” para gozar com o Neo-Realismo (na altura vigente). Saramago conta neste documentário que este tipo de ideias do Pacheco eram sinais claros da sua personalidade irreverente e provocatória. O Prémio Nobel diz ainda que, nuns dias dizia muito mal da sua escrita, para noutros dias exaltar, serenamente, a sua genialidade. Saramago esboça um sorriso subtil e assevera: “Pacheco é o Pacheco”. “Mais um Dia de Noite” foi produzido pela Panavideo e gravado em Alta Definição (repare-se na qualidade da imagem e no contraste de cores), e teve o apoio da RTP. Ao longo de 58 minutos, brilhantemente filmados e montados, António José de Almeida desvenda um pouco mais do universo de Luiz Pacheco, da sua actividade literária e das suas relações com a própria família (a que chamava “tribo”). Se em termos de conteúdo e riqueza de informação o documentário “Mais um Dia de Noite” é de digno de menção, não o é menos em termos puramente formais. António José de Almeida conseguiu sacudir todos os lugares-comuns habituais na realização de documentários.

O equilibrado ritmo da realização (com efeitos especiais à mistura), a poderosa montagem, os planos dos entrevistados (e do próprio Luiz Pacheco), a fotografia de cores carregadas, a voz off sugestiva, o recurso a um actor que interpreta o escritor (brilhante pelo carisma com que recita textos de Pacheco) e a utilização vigorosa da música (desde temas de death metal a melodias celestiais), conferem a este documentário uma qualidade e uma originalidade inauditas no panorama do documentarismo português. A sua curta mas incisiva duração – 58 minutos – é outro ponto que joga a favor.

No fundo, “Mais um Dia de Noite” revela-se um precioso documento sobre a vida e obra de Luiz Pacheco. Não daqueles documentos que resvala para a homenagem e o tributo fácil (ideia que o próprio escritor deveria refutar), mas daquele tipo de documentos concebidos com profundo respeito e admiração pelo legado do escritor que alguém disse ser “um paradoxo com duas pernas”.

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